SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As forças militares da Rússia tomaram a usina de Zaporíjia, a maior da Europa, alvo de ataque que gerou um incêndio no local na madrugada desta sexta (4). O Ministério da Defesa russo disse controlar a planta, segundo a agência Interfax, o que a agência de inspeção de plantas nucleares da Ucrânia admitiu.

Em uma rede social, a administração da usina disse que a equipe operacional monitora as condições da unidade e que esforços buscam garantir que as operações sigam os requisitos de segurança.

O fogo gerado após o ataque, nas primeiras horas desta sexta, noite de quinta (3) no Brasil, atingiu um prédio do lado de fora da usina, segundo informações iniciais. Ao menos três solados ucranianos morreram e dois ficaram feridos em decorrência da ação, de acordo com a agência nuclear do país.

A direção da usina disse à agência que não havia risco imediato de contaminação nuclear, e o Serviço de Emergência da Ucrânia informou posteriormente que as condições de radiação e do incêndio na instalação estavam "dentro dos limites normais", informação confirmada mais tarde pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês).

Por volta de 1h30 (horário de Brasília), o incêndio foi controlado e, na manhã desta sexta na Ucrânia, um dos seis reatores estava em funcionamento. A IAEA acrescentou ainda que as chamas não atingiram equipamentos essenciais e que não houve mudança nos níveis de radiação.

O receio era o de que o incêndio gerasse uma explosão, algo que, segundo o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, teria impacto potencialmente dez vezes maior do que o do acidente na usina nuclear de Tchernóbil, ocorrido na Ucrânia ainda soviética em 1986. O presidente Volodimir Zelenski alertou que uma eventual explosão na usina de Zaporíjia significaria o "fim de tudo, o fim da Europa".

Os ucranianos culpam Moscou pelo ataque, e o líder ucraniano, em pronunciamento televisionado nesta sexta, convocou os russos a protestarem contra a tomada da usina. "Povo russo, quero recorrer a vocês: como isso é possível? Depois que todos lutamos juntos em 1986 contra a catástrofe de Tchernóbil."

Apesar de analistas dizerem que a planta atingida é mais segura, Zelenski usou a memória de Tchernóbil para tentar sensibilizar os russos. "Vocês têm que se lembrar do grafite em chamas espalhado pela explosão, das vítimas. Têm que se lembrar do brilho sobre a unidade de energia destruída, da retirada. Como podem esquecer isso? E, se vocês não se esqueceram, não devem ficar em silêncio", disse.

"Vocês têm que tomar as ruas e dizer que querem viver, querem viver na terra sem contaminação radioativa. A radiação não sabe onde a Rússia está, não sabe onde estão as fronteiras do seu país."

As manifestações na Rússia contra a guerra, porém, têm sido fortemente reprimidas. Segundo a ONG OVD-Info, mais de 8.000 já foram deditos em protestos. Moscou, por sua vez, responsabiliza o país vizinho, segundo seu Ministério da Defesa. "O objetivo da provocação encenada por Kiev na usina nuclear é acusar a Rússia de criar uma área de contaminação radioativa", disse o porta-voz da pasta, Igor Konashenkov, nesta sexta. "Tudo isso prova uma trama criminal de Kiev ou a completa perda de controle de Zelenski sobre as operações de grupo de sabotagem ucranianos envolvendo mercenários estrangeiros."

Zaporíjia, construída entre 1985 e 1989, é o maior complexo do tipo na Europa. Cerca de 25% da energia ucraniana é fornecida pela usina, o que também a torna um ativo central para qualquer força invasora.

Os russos cercavam a usina havia dois dias. Dmitro Orlov, prefeito de Energodar, que abriga a planta, disse na tarde desta quinta que havia grande concentração de soldados de Moscou rumo à região. Desde terça, funcionários e moradores tinham fechado o acesso do local a blindados russos, que deram meia-volta.

A situação em Zaporíjia já gera preocupação internacional. Na manhã desta sexta, o diretor da IAEA, Rafael Grossi, afirmou que a situação na planta, ainda operada por ucranianos, continua a ser tensa.

Dizendo não buscar uma mediação, Grossi relatou ter conversado com representantes dos dois lados, que sinalizaram uma possível reunião em Tchernóbil. "Estamos falando sobre uma situação em que Rússia e Ucrânia possam se comprometer a não prejudicar os princípios da segurança nuclear."

O diretor confirmou ainda que Zaporíjia está sob controle de militares russos, assim como Tchernóbil, e que, no entendimento da agência, o ataque contra a planta em Energodar veio das forças de Moscou.

A chancelaria chinesa, por sua vez, instou que os dois lados garantam a segurança das instalações nucleares. "Vamos monitorar a situação e pedimos a todos que se contenham", disse o porta-voz. Já o ministro de Assuntos Europeus da França, Clement Beaune, afirmou que a União Europeia deve permanecer firme à medida que os ataques russos se intensificam e acrescentou ser cedo para avaliar as consequências do incêndio. "Pode-se ver os ataques se intensificarem, o que é muito preocupante e sério."

Apesar da situação na planta, o prefeito de Energodar publicou no Facebook na manhã desta sexta que as ruas da cidade estavam tranquilas -mesmo assim, recomendou que os habitantes ficassem em casa. Houve também interrupção no aquecimento devido a danos causados pelo bombardeio.

A planta de Energodar não é a primeira usina nuclear que se vê envolvida em combates nessa guerra. Já no segundo dia da operação, na sexta-feira passada (25), os russos começaram a combater na região de Tchernóbil e tomaram o local no fim de semana. Ali a usina segue em operação para manter o controle sobre o reator que explodiu em 1986 sob um sarcófago de chumbo, que segura as emissões radioativas.

O avanço russo continua ainda em outras áreas do país. A situação permanece difícil em Mariupol, segundo a mídia ucraniana. No seu mais recente relatório, o Ministério da Defesa britânico diz que a cidade segue sob controle ucraniano, apesar de estar cercada pelas tropas de Putin. A infraestrutura civil também tem sido alvo de intensos ataques, como já relatado pelos políticos locais nesta quinta.

A mídia ucraniana também divulgou que os militares russos tomaram uma torre de TV em Kherson, que Moscou passou a controlar. O receio é o de que a estrutura seria usada para disseminar desinformação na região. Duas fortes explosões também foram ouvidas durante a noite no centro da cidade e na periferia.

Em Kiev, a noite foi marcada por sirenes alertando sobre bombardeios, mas a cidade atravessou o período "tranquilamente", segundo a administração local. Já em Jitomir, uma escola foi atingida por um míssil nesta sexta, de acordo com o jornal Pravda da Ucrânia -não há informações sobre vítimas.

Segundo levantamento do Pentágono divulgado nesta quinta, os russos já dispararam mais de 480 mísseis, de todos os tamanhos e potências. Mais de 230 tiveram como base de lançamento a própria Ucrânia, outros 160 vieram da Rússia, e cerca de 70, da Belarus.

A Ucrânia, por sua vez, mantém um discurso de contra-ataque, e o Ministério da Defesa do país divulgou no Facebook que, até esta sexta, pouco mais de 9.000 soldados russos já haviam morrido em combate e que as tropas de Moscou perderam 251 tanques, 939 veículos blindados, 33 aeronaves e 37 helicópteros, entre outros equipamentos. Não tem sido possível, porém, confirmar esses números de maneira independente. Moscou admite, oficialmente, apenas 498 baixas.