FOLHAPRESS - "Transversais" é uma obra que ficou famosa muito antes de chegar às telas do circuito, nesta quinta-feira (24). Em agosto de 2019, Jair Bolsonaro apareceu numa live em suas redes sociais desqualificando os vencedores de um edital da Agência Nacional de Cinema, a Ancine, que forneceria recursos para sua produção.

"Fomos garimpar na Ancine filmes que estavam prontos para ser captados recursos no mercado. Olha o nome de alguns, são dezenas", disse. "Um filme chama 'Transversais'. Olha o tema: 'sonhos e realizações de cinco pessoas transgêneros que moram no Ceará'. Conseguimos abortar essa missão", anunciou o presidente.

Em termos. Se a Ancine acabou voltando atrás e escolhendo outros finalistas, por outro lado o produtor Allan Deberton e o diretor Émerson Maranhão foram à luta e conseguiram finalizar a obra. Inicialmente uma série em cinco episódios, "Transversais" se tornou um documentário de 85 minutos. E um documentário muito bom.

Com muita delicadeza e sobriedade, o filme conta a história da funcionária pública Samilla Marques, da professora Érikah Alcântara, do acadêmico Kaio Lemos, do enfermeiro Caio José e da jornalista Mara Beatriz, todos do Ceará, um estado que certamente carrega a fama do estereótipo do macho nordestino.

No caso dessa última personagem citada, a jornalista aparece falando da transição de sua filha, a estudante Lara, que também dá depoimentos. São ouvidos ainda familiares e amigos dos personagens.

A obra foca principalmente no processo de transição de gênero pelo qual cada um deles passou, suas dificuldades, lutas e alegrias. Há diversos momentos emocionantes, como quando Caio descreve a aceitação da transição por seu pai. Erroneamente, o rapaz julgava que aquele senhor de idade seria incapaz de compreender.

Destaque para as belas cenas de Kaio no candomblé e as da adolescente Lara com seus pais. Esses pais contam que tiveram que lutar contra o preconceito de parte de seus parentes, que acusaram a mãe de forçar a transição porque seu desejo era ter tido uma filha mulher.

A aceitação da família, no entanto, não acontece para todos os entrevistados. Pelo menos não totalmente, como relata Samilla em seu depoimento. Apesar de transitar normalmente pela casa dos pais, e até levar amigas trans que são aceitas, muitas vezes ela ainda é chamada lá pelo nome masculino de batismo. Isso, segundo ela, equivale a uma anulação de sua identidade.

De certa forma ajudado pela propaganda negativa do presidente, o documentário já foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no festival Mix Brasil e no Cine Ceará. Agora, entra em cartaz em sete capitais: Fortaleza, Maceió, Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.

Seja por seus muitos méritos, seja como forma de desagradar a Bolsonaro e a seu séquito homofóbico, "Transversais" é um filme que merece ser respeitado, visto e discutido. E ter uma boa bilheteria.

TRANSVERSAIS

Avaliação: Muito bom

Onde: Nos cinemas

Classificação: 10 anos

Elenco: Samilla Marques, Érikah Alcântara, Caio José, Kaio Lemos

Produção: Brasil, 2022

Direção: Émerson Maranhão