BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Tesouro Nacional classificou o plano de recuperação fiscal apresentado pelo Rio de Janeiro como precário e baseado em "premissas técnicas frágeis" para promover o reequilíbrio das contas do estado.

Como revelou a Folha de S.Paulo, Tesouro e PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) se manifestaram pela rejeição do plano do governo fluminense, o que na prática inviabiliza sua adesão ao socorro federal.

A decisão deve gerar reação do Rio de Janeiro, que pode recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para se manter no programa e assegurar a continuidade da suspensão na cobrança de dívidas bilionárias.

"Esta secretaria crê ter encontrado elementos que indicam a precariedade do plano apresentado para o reequilíbrio das finanças do estado, uma vez que o mesmo encontra-se lastreado em premissas técnicas frágeis para promover o equilíbrio financeiro sustentado que se objetiva alcançar com o Regime de Recuperação Fiscal", diz o parecer do Tesouro.

O RRF é um programa de socorro desenhado para estados endividados. O Rio de Janeiro foi o primeiro a entrar, em 2017, e agora pleiteia nova adesão após mudanças das regras do programa.

Ao ingressar no regime, o estado tem alívio imediato no pagamento de dívidas com a União e outros credores, em troca da implementação de medidas de ajuste fiscal.

O governo estadual se compromete com a realização de concessões, privatizações e outras ações para melhorar a arrecadação e reduzir despesas. Ao mesmo tempo, precisa respeitar as vedações a criação de novos cargos, concessão de aumentos e elevação de despesas.

O Tesouro criticou o plano do Rio de Janeiro por prever a concessão de reajustes salariais em todos os anos do regime de recuperação. Só neste ano, a despesa com pessoal subiria 17,1% em 2022, com a aplicação de aumentos retroativos.

Em 2023, a alta seria de 8,9% no gasto com a folha. A partir daí, o governo estadual planeja conceder reajustes para recompor a inflação, de 3,25% em 2024 e de 3% ao ano entre 2025 e 2030.

Além disso, na semana em que o governo federal concluiria a análise do plano de recuperação do Rio de Janeiro, o governador, Cláudio Castro (PL), anunciou em sua conta no Twitter um aumento das gratificações pagas a policiais militares e bombeiros do estado.

Castro, que assumiu o governo após o afastamento de Wilson Witzel (PSC), pretende concorrer à reeleição em 2022.

O Rio de Janeiro também incluiu estimativas de aumento de investimentos públicos e redução do estoque de dívidas com fornecedores (inscritas nos chamados restos a pagar) até 2029, com reversão brusca no ano seguinte. Na avaliação do Tesouro, esse é um indicativo da precariedade do plano.

Em 2030, os investimentos sofreriam um corte de 83%, enquanto os restos a pagar saltariam a R$ 9,8 bilhões, valor pouco abaixo do que o Rio de Janeiro acumula hoje nessa rubrica (R$ 11,8 bilhões). A acumulação desse passivo é vista como indício de desajuste nas contas.

Para o Tesouro, o conjunto de dados apresentado pelo estado "evidencia um desequilíbrio estrutural e ensejaria, possivelmente, um novo pedido de ingresso ao RRF" a partir de 2031. Na prática, o governo do Rio de Janeiro seguiria dependente do socorro da União.

Desde 2017, quando ingressou pela primeira vez no RRF, até agora, o Rio de Janeiro já deixou de pagar R$ 92 bilhões em débitos com o governo federal.

A nova adesão significaria alívio de outros R$ 52,5 bilhões nos próximos anos, segundo o Tesouro.

Sem a proteção do regime de recuperação, o estado teria de pagar o que ficou suspenso até hoje. Do valor total, R$ 30 bilhões precisariam ser quitados em 24 prestações mensais. Os outros R$ 62 bilhões seriam incorporados à dívida com a União, que pode ser paga em até 20 anos.

Em 2020, o STF concedeu uma liminar ao Rio de Janeiro para que o estado permanecesse no programa de socorro –mesmo após inúmeros indícios de violações– até que o RRF fosse reformulado.

O desenho do programa passou por modificações para dar mais tempo aos estados desajustados na implementação do ajuste fiscal. A duração máxima do regime passou de seis para dez anos.

A liminar do ministro Dias Toffoli garantia blindagem ao governo fluminense até a conclusão da regulamentação do programa, o que foi feito em abril de 2021. Em seguida, o Rio de Janeiro apresentou seu novo plano, cuja análise foi agora concluída.

Por isso, o entendimento de técnicos do governo é que o estado já não pode mais contar com os efeitos da liminar para driblar cobranças de dívidas.

Eventual manutenção do Rio de Janeiro no regime é considerada uma afronta a outros estados, como Goiás e Rio Grande do Sul, que têm adotado medidas de ajuste para manter os benefícios do plano.

A interpretação de técnicos é que, sem medidas de ajuste do Rio de Janeiro, o governo está simplesmente doando recursos a um estado que tem se esforçado pouco para reequilibrar suas contas.

Em dezembro de 2020, por exemplo, a União honrou R$ 4,7 bilhões que o Rio de Janeiro devia ao BNP Paribas, referentes a um empréstimo contratado em 2017, logo no início do regime de recuperação fiscal.

O contrato tinha as ações da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) como contragarantia –o que assegurava ao governo federal o direito de federalizar a estatal em caso de inadimplência.

Em 2021, o estado embolsou R$ 18,2 bilhões com o leilão de concessão da Cedae, mas não ressarciu nenhum centavo à União. O governador quer usar o dinheiro para investimentos. A AGU (Advocacia-Geral da União) ingressou no STF pedindo o bloqueio dos valores, mas ainda aguarda decisão.