RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Em meio à maior seca da história e com o orçamento afetado pela crise gerada pela pandemia, o consumidor brasileiro está pagando para bancar usinas térmicas que entregam menos energia do que o esperado ou até se recusam a operar.

Nos cálculos do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a conta chega a R$ 8,7 bilhões ao ano, considerando os projetos que já poderiam ter o contrato rompido por passar mais tempo do que o permitido sem gerar energia.

"É evidente o dano ao consumidor", diz Clauber Leite, coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec, que enviou nesta quarta (26) carta à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) cobrando uma solução.

Fundamentais para gerar energia em períodos de baixa nos reservatórios das hidrelétricas, as térmicas funcionam como um seguro: são remuneradas com uma receita fixa quando não estão gerando e ganham um adicional para cobrir os custos quando são chamadas a contribuir.

Estudo da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) publicado nesta semana indica, porém, que são bem mais frequentes as situações em que as usinas negam pedido do ONS (Operador Nacional do Sistema) para operar ou acabam injetando no sistema volume menor que o demandado.

É como se a seguradora se negasse a enviar um reboque para socorrer o segurado com a apólice em dia. Ou enviasse o reboque, mas deixasse o veículo avariado no meio do caminho para a oficina.

A indisponibilidade para geração é prevista em contrato para paradas para manutenção, para situações de problemas em equipamentos ou falta de combustível, por exemplo, mas é limitada por contrato -no caso das usinas a gás, em uma média de 10% do período contratual.

A EPE constatou que, desde 2015, a taxa de indisponibilidade vem subindo. Em 2020, quando o Brasil teve a pior seca da história, térmicas a diesel, por exemplo, ficaram indisponíveis, em média, 53% do tempo. No caso das térmicas a óleo combustível, a indisponibilidade foi de 26% do período pago. Nas usinas a gás e carvão, 19%.

Em 2011, essa indisponibilidade era muito menor, aponta a EPE. No caso de óleo combustível, na média, 3%, diesel, 4%, carvão, 12%, e gás, 14%.

Para a empresa, que é responsável pelo planejamento do setor, o envelhecimento das usinas é um motivador importante. "Principalmente usinas a óleo diesel e óleo combustível contratadas muitos anos atrás. Isso é natural", diz o presidente da EPE, Thiago Barral.

Mas o mercado vê também casos de falhas de manutenção ou resistência a investir em melhorias. Há ainda geradores que alegam na Justiça que já entregaram toda a energia prevista no contrato e defendem não ter mais a obrigação, apesar de permanecerem recebendo a receita fixa.

O argumento é contestado por executivos da área de energia. "Para quem é do setor elétrico, é óbvio que o projeto foi contratado para estar disponível. Não estava escrito que você geraria 5% do tempo", diz o diretor de Regulação da Abradee (Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica), Ricardo Brandão.

O Idec apurou a existência de ao menos 17 liminares relacionadas ao tema, algumas delas questionando a rescisão contratual após estourarem o limite de três anos seguidos descumprindo as metas de disponibilidade.

A Aneel diz em nota que enfrenta hoje três ações judiciais, de empresas que se isentam de gerar energia elétrica quando acionadas pelo ONS.

Em 100 contratos de térmicas analisados por estudo contratado pelo Idec, 33 já haviam estourado o limite por três anos seguidos, o que já permitiria a rescisão. Leite diz que o instituto pode ir à Justiça para que a punição seja aplicada.

"Não faz sentido o consumidor continuar pagando por uma energia que não tem", diz Donato da Silva Filho, diretor-geral da Volt Robotics, que vem contribuindo com o Idec na avaliação do tema. "O contrato tem de ser respeitado."

A receita fixa dessas usinas é repassada ao consumidor pelas distribuidoras. Quando elas são chamadas a gerar, o custo adicional é pago também por meio das bandeiras tarifárias cobradas na conta de luz quando a geração térmica está acima do normal.

A EPE diz que seu estudo é parte de um trabalho contínuo para avaliar qual o montante de energia disponível e, assim, avaliar a necessidade de expansão do sistema.

"A penalidade é um dos sinais econômicos que podem influenciar o gerador a buscar um nível superior de desempenho", diz Barral. "Se a estrutura de penalidades muda, seja para ficar mais pesada, seja mais branda, pode influenciar o nível de indisponibilidade e influenciar o planejamento."

O ONS afirma que a elevada indisponibilidade não tem efeito sobre a gestão dos reservatórios. "O montante de geração térmica disponível no momento é suficiente para manter o balanço energético", diz, em nota.

Na terça-feira (25), por exemplo, apenas 72% da capacidade térmica no país estava disponível, o equivalente a 16.100 MW (megawatts), mas o operador precisou de 12.300 MW dessa fonte para atender a demanda.

Com os reservatórios em níveis historicamente baixos, porém, o mercado acompanha com lupa a evolução da disponibilidade de energia de outras fontes, com receio de que a capacidade de geração de energia possa se tornar um obstáculo ao crescimento da economia após a vacinação.

O ex-presidente do ONS Luiz Eduardo Barata acrescenta que o problema reduz a eficiência do sistema. Isso porque o órgão responsável por garantir a operação e o fornecimento de energia é obrigado a buscar outras usinas para cobrir a falta dessas térmicas.

O ONS afirma que "já solicitou aos proprietários dos empreendimentos de geração que implementem ações visando aumentar a disponibilidade de suas usinas". Em unidades sob manutenção, a ordem é retornar à operação "o mais breve possível".

A Abraget (Associação Brasileira de Geração Termelétrica) disse que não havia porta-vozes disponíveis para comentar o assunto.