BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - A tensão entre representantes de policiais militares e civis de Minas Gerais e o governador do estado, Romeu Zema (Novo), aumentou depois da manifestação que reuniu uma multidão de servidores públicos do setor de segurança pública na segunda-feira (21) em Belo Horizonte.

A reação do governador nos dias seguintes à manifestação foi o que provocou o aumento da temperatura, segundo sindicatos e associações dos agentes de segurança.

O governador chamou os comandantes das polícias para conversar e excluiu os representantes das categorias das negociações diretas com o Palácio Tiradentes.

A ida às ruas foi para cobrar o cumprimento de acordo feito pelo governador em 2019 que previa recomposição por perdas inflacionárias em três parcelas: uma de 13% em julho de 2020, outra de 12% em setembro do ano passado e uma final de 12% em setembro de 2022. Entre as vencidas, somente a de 2020 foi paga.

"Quem colocou 30 mil pessoas nas ruas fomos nós. Nada contra os comandos, mas a conversa tem que ser conosco", afirmou o presidente da Aspra (Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais, Marco Antônio Bahia.

O dirigente não descarta novos protestos. Policiais militares podem se manifestar, mas são proibidos de entrar em greve. Paralisações de forças policiais militares são motins.

Em 2020, um motim no Ceará com 13 dias de duração obrigou o governo do estado a chamar a Força Nacional de Segurança para fazer o policiamento das cidades.

Uma cartilha com orientações para atuação dos policiais militares de Minas Gerais durante o horário de serviço está sendo preparada pela Aspra para este período pós-protesto.

Para o diretor da Feipol (Federação Interestadual dos Policiais Civis) da região sudeste, Wemerson Oliveira, além de não se reunir com os representantes das categorias, o governo Zema quer dividir o movimento dos servidores de segurança do estado.

"Os comandos estão agendando reuniões separadamente com cada categoria", apontou. Para o policial, as negociações têm que ser feitas em conjunto com representantes de todas as forças de segurança do estado.

O Sindpol (Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais) afirma que, depois da manifestação de segunda-feira, repassou orientações à categoria no sentido de que sejam feitos apenas 30% do total de boletins de ocorrência que são normalmente feitos em cada unidade policial.

O sindicato diz ainda que investigações não estão sendo feitas. A Polícia Civil de Minas Gerais não respondeu questionamentos sobre o funcionamento dos serviços prestados pela corporação depois da manifestação.

Uma nota conjunta divulgada depois da manifestação pelo Sindpol (Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais), pela Amasp (Associação Mineira dos Policiais Penais e Servidores Prisionais) e por outras entidades que representam as categorias reclamam da relação com o governo estadual.

"O governador do estado de Minas Gerais, Romeu Zema Neto, nunca, jamais, em tempo algum, se dispôs a receber e dialogar com os legítimos representantes das entidades que representam os trabalhadores das forças de segurança", diz a nota.

EBULIÇÃO

Assim como professores e profissionais da área de saúde, policiais militares e civis estão entre as categorias mais capilarizadas entre os funcionários públicos estaduais, com servidores, pela função, nos 853 municípios de Minas Gerais.

Com a possibilidade de ver a situação agravada, o governador cancelou as viagens constantes que faz ao interior e concentrou no Palácio Tiradentes até respostas a perguntas sobre o cenário atual das corporações enviadas à assessoria de imprensa da Polícia Militar, que, ao final, também não são respondidas.

Nesta quarta-feira (23), o governador iria para Cataguases Leopoldina, na Zona da Mata. O comunicado do Palácio Tiradentes suspendendo as visitas diz que Zema, neste momento, está "empenhado na solução das demandas relacionadas à segurança pública".

Meio político Com o tranco dado a Zema pelo protesto e a aproximação do pleito de outubro, um dos rivais do governador no estado, o presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Agostinho Patrus (PV), fez coro aos manifestantes.

O protesto de segunda terminou na praça da Assembleia Legislativa. Representantes do movimento foram recebidos em salão da Casa pelo presidente do Legislativo do estado com direito a fotos. Agostinho é aliado do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), provável adversário de Zema em outubro.

Em nota divulgada nesta quarta-feira (23), o presidente da Assembleia afirma que a Casa acompanha com atenção o movimento dos servidores da segurança pública.

"O Parlamento estadual, instituição representativa da população mineira, reforça a importância do diálogo amplo, transparente e democrático entre o Estado e as entidades que representam as categorias, na busca por soluções viáveis a este impasse", disse Agostinho, no texto.

Aumentos salariais aos servidores públicos são condicionados pelo governo Zema à aprovação pela Assembleia da entrada do estado no RRF (Regime de Recuperação Fiscal), que renegocia dívidas com estados. A entrada de Minas ao regime precisa ser aprovada pela Casa.

Os organizadores do protesto não aceitam que o governo atrele o aumento à entrada do estado ao RRF. "Essa pauta não é nossa", afirmou o presidente da Aspra.

O prefeito Alexandre Kalil afirmou ter ficado preocupado com a possibilidade de um possível fracasso ou demora nas negociações entre os policiais e o governo do estado. "Porém, as informações que tenho é que a Polícia Civil e a Polícia Militar estão trabalhando normalmente em Belo Horizonte", declarou.

Ao mesmo tempo, o prefeito não quis comentar o tratamento dado aos policiais pelo governador. "Já tenho problemas demais. Surfar em greve é estelionato", afirmou.

O PROTESTO

A manifestação de integrantes das forças de segurança de Minas Gerais na segunda-feira foi uma das maiores envolvendo exclusivamente servidores públicos já realizadas no estado.

O ato teve início na Praça da Estação, região central da capital, por volta das 9h e seguiu para as praças Sete e da Assembleia. Ônibus trouxeram manifestantes de cidades do interior.

Um ofício emitido pelo comandante-geral da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel Rodrigo Sousa Rodrigues, incentivou a participação de agentes da ativa no ato.

O oficial classificou o protesto como "evento legítimo, inclusive com a participação de quem ombreia na ativa ou ombreou o bom combate e estabeleceu os alicerces para estarmos onde estamos".

Mas pediu comedimento. "Cuidemos para que nenhuma ação retire o brilho do respaldo que nossa instituição conquistou até hoje, inclusive como patrimônio do povo mineiro".

O governo Zema não respondeu perguntas feitas pela reportagem.