BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A escalada na temperatura com partidos aliados teve peso determinante na iniciativa de Jair Bolsonaro (sem partido) de buscar o ex-presidente Michel Temer (MDB) e publicar uma nota para tentar atenuar a crise institucional provocada por ele com os repetidos ataques a integrantes do Supremo Tribunal Federal.

A "Declaração à Nação", divulgada na quinta-feira (9), deixou o mandatário em saia-justa com apoiadores que respaldaram as ameaças golpistas no 7 de Setembro. Nesta sexta-feira (10), Bolsonaro buscou se justificar para sua base, afirmou haver cobranças para reações imediatas e "que vá lá e degole todo mundo", mas defendeu mudanças graduais no Brasil.

Segundo assessores do Palácio do Planalto, a quarta-feira (8) pós-feriado e a manhã de quinta deixaram Bolsonaro especialmente preocupado com a possibilidade de afastamento dos partidos que compõem a base no Congresso.

A declaração do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi considerada dura por Bolsonaro.

Com a caneta na mão para abrir um dos mais de cem pedidos de afastamento de Bolsonaro, Lira enviou sinais de tentativa de apaziguamento e não usou a palavra "impeachment", mas elevou o tom de crítica e falou em "basta".

O presidente da Câmara estava pressionado por líderes partidários, que, ao longo do dia, vinham soltando notas de repúdio. Alguns dirigentes falaram mais abertamente sobre impeachment, como o PSDB.

Assim, para auxiliares palacianos, um dos principais efeitos da nota de recuo foi ter tirado o presidente das cordas e evitado o desembarque de legendas do centrão.

Como a Folha de S.Paulo mostrou na semana passada, dirigentes de partidos que compõem a base governista no Congresso, como PL, PP, Republicanos, avisaram o Planalto que uma eventual radicalização poderia comprometer a base.

Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, avisou das consequências da radicalização de Bolsonaro à ministra Flávia Arruda (Secretaria de Governo). Já o PP, de Ciro Nogueira (Casa Civil), está rachado.

Como Bolsonaro subiu o tom nos atos do 7 de Setembro em Brasília e em São Paulo, líderes partidários foram críticos publicamente e reservadamente ao mandatário.

Para interlocutores de Bolsonaro, a nota garantiu sobrevida ao presidente. Apesar de encerrar a semana com o que os "bombeiros palacianos" consideram uma vitória, Bolsonaro não se comprometeu com nenhum outro gesto de pacificação na conversa com Temer na quinta-feira.

Por enquanto, o recuo é visto como retórico. Segundo integrantes da ala política, o maior desafio será garantir que o chefe do Executivo mantenha as palavras da nota e pare de atacar o STF e o ministro Alexandre de Moraes.

Intermediado pelo ex-presidente, Bolsonaro ligou para Moraes. Segundo interlocutores, a conversa durou poucos minutos, e eles não trataram de assuntos delicados -como os inquéritos que têm Moraes como relator e o presidente e aliados como alvo.

Ao seu estilo, Bolsonaro teria até feito uma piada comparando a rivalidade dos dois à do Palmeiras com o Corinthians. O mandatário é palmeirense, e o ministro, corintiano.

Na véspera da ligação, Temer perguntou a Moraes se ele poderia intermediar a conversa. Ouviu de Moraes que ele não tem nada contra Bolsonaro pessoalmente e que suas decisões têm apenas motivação jurídica.

Outro fator que pesou para o recuo do presidente foi o discurso do presidente do STF, ministro Luiz Fux, no dia seguinte às manifestações de raiz golpista do 7 de Setembro.

O ministro disse que a ameaça do mandatário de descumprir decisões judiciais de Moraes, se confirmada, configura "crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional". "Ninguém fechará esta corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança", disse Fux na quarta (8).

Na terça-feira (7), diante de milhares de apoiadores em Brasília e em São Paulo, Bolsonaro fez ameaças golpistas ao STF, elevando a pressão da classe política pela abertura de processo de impeachment.

Dois dias depois, divulgou a nota, cujo rascunho foi de Temer, mas construída com a ajuda dos ministros palacianos Ciro Nogueira e Flávia Arruda, com tom bem diferente do que Bolsonaro vem adotando nos últimos meses.

"Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar", escreveu Bolsonaro.

A declaração fez com que o presidente fosse cobrado por eleitores mais radicais. Nas redes sociais, assessores palacianos com muitos seguidores, como Mosart Aragão, pediam que confiassem em Bolsonaro.

As críticas motivaram o presidente a dizer a apoiadores nesta sexta-feira que não recuou de nada e que jamais cometeu um erro.

O presidente está sendo questionado por ter aliviado o discurso golpista, ainda que provisoriamente, e ter pedido a desmobilização de manifestações de caminhoneiros que bloqueiam estradas.

"Alguns querem que vá lá e degole todo mundo. Hoje em dia não existe país isolado, todo mundo está integrado ao mundo", disse o presidente na frente do Palácio da Alvorada. A declaração foi divulgada por um canal bolsonarista.

Diante da pressão de apoiadores, os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) e o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, saíram em defesa do presidente nas redes sociais nesta sexta.

"No passado, vimos muitos virarem as costas para Jair Bolsonaro em defesa de supostos 'heróis'. O tempo trouxe a verdade! Tenham paciência, pois, mais uma vez, o tempo irá consolidar a verdade!", escreveu Ramos no Twitter.

Já Heleno, em vídeo, reconheceu o desânimo de apoiadores, mas disse que Bolsonaro tem "formidável senso político" e pediu união. "Alguns fatos deixaram muitos de nós desanimados. Isso não pode acontecer", disse. "Vamos em frente, unidos e confiantes", afirmou.

"O nosso presidente possui um formidável senso político. Discordei dele algumas vezes e depois descobri que ele tinha razão", continuou.

O chefe do GSI é considerado um dos conselheiros mais radicais de Bolsonaro hoje. Segundo a Folha apurou, na reunião do Conselho de Governo no dia seguinte ao 7 de Setembro, foi dele uma das falas mais inflamadas.

Diante do apoio popular com as manifestações em apoio ao presidente, Heleno defendia a radicalização. O encontro de ministros desta semana foi o mais longo desde o começo do governo e, segundo relatos, muito tenso.

A paralisação dos caminhoneiros alinhados ao presidente também foi um dos fatores de pressão, mencionados por auxiliares, para levar Bolsonaro a redigir a nota.

Na longa reunião com Temer, Bolsonaro ouviu do antecessor que os caminhoneiros poderiam derrubá-lo. O efeito do desabastecimento de combustível, alimentos e remédios é devastador, disse o ex-presidente, que enfrentou a greve de 2018.

Bolsonaro concordou. Segundo interlocutores do presidente, mesmo antes do encontro, ele já demonstrava preocupação, apesar do comportamento errático diante de caminhoneiros.

Horas antes da divulgação da nota, deputados bolsonaristas levaram um grupo para encontrar o presidente no Planalto. Deixaram o encontro dizendo que Bolsonaro nada havia lhes pedido.

Como eles compõem a base de apoio de Bolsonaro, a operação para desmobilizar os caminhoneiros foi complicada. De um lado, foi escalada a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) para conversar com o grupo que estava na Esplanada, enquanto Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) negociava com os grupos das estradas.

Ministros palacianos e integrantes da ala política do governo agora correm para colher os louros da sobrevida que a nota do presidente deu ao governo junto à classe política. No Congresso, em especial no Senado, há uma série de pautas travadas que o governo espera dar seguimento.

Ainda antes da divulgação da nota, o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra (MDB-PE), se reuniu com o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para tentar blindar a pauta econômica do acirramento político, sob o argumento de que elas são vitais para a retomada.

Bezerra e o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), pretendem iniciar na próxima semana a negociação de uma agenda para a tramitação das pautas prioritárias. As principais são a reforma tributária, o novo mercado de câmbio, o novo marco das ferrovias, a privatização dos Correios, o licenciamento ambiental, o projeto dos debêntures de infraestrutura e a regularização fundiária.

Outra medida sensível para o Planalto é a MP (medida provisória) que limita a remoção de conteúdo nas redes sociais, mais conhecida como MP das Fake News. Publicado na véspera dos atos do 7 de Setembro, o texto foi um aceno de Bolsonaro a apoiadores.

Pacheco deve tomar uma decisão apenas na próxima terça-feira (14) sobre a devolução do texto. Aliados dele afirmam que a divulgação da nota de Bolsonaro não alterou a tendência em favor da devolução da medida.

Pacheco teria apenas justificado que aguarda uma análise "mais robusta" da consultoria legislativa. Um senador próximo a ele afirma que o prazo maior para anunciar a decisão teria o efeito de não parecer um ataque a Bolsonaro.

Embora reconheçam que a chance de acordo seja mínima, líderes do governo buscam articular com Pacheco preservação de trechos da MP. Há senadores que fizeram chegar a líderes o pedido para que Bolsonaro retire a MP, em mais um sinal de pacificação. No entanto, consideram o gesto improvável.

"Não acho que o Pacheco tenha que devolver a MP. É o presidente que hoje, em um gesto prático, concreto de que aquela carta é para valer, e ele concorda em dar uma trégua ao país, tem de tornar sem efeito a MP", afirmou a líder da bancada feminina, Simone Tebet (MDB-MS)

A MP foi vista como uma ação para angariar ainda mais apoio, uma vez que bolsonaristas vem sendo alvo dessas remoções de conteúdo, por propagar fake news.