SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ex-presidente Michel Temer (MDB) defendeu, nesta quarta-feira (16), uma pacificação interna do país "não apenas porque os políticos assim o desejam ou o povo deseje, mas porque assim a Constituição o determina".

"Sem embargo termos crises e mais crises, basta que nós hajamos no sentido de pacificar o país, de fazer o relacionamento adequado entre os poderes, de dar ao povo esta visão pela paz interna do nosso país, sem embargo de divergências programáticas, administrativas e até ideológicas", afirmou, sem fazer referência à sua participação para esfriar a crise entre o presidente Jair Bolsonaro e o STF (Supremo Tribunal Federal).

O ex-presidente participou de uma palestra virtual promovida pelos partidos MDB, PSDB, DEM e Cidadania pela defesa da democracia. O evento faz parte do ciclo de debates "Um novo rumo para o Brasil", que vai até o próximo dia 27.

Também participaram os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e José Sarney (MDB). Todos eles trataram de crise institucional, o tema do encontro, mas evitaram mencionar de forma específica o presidente Bolsonaro, que com ameaças autoritárias insuflou uma crise entre Poderes que reverbera na economia.

Temer afirmou que, apesar de a Constituição Federal estar pautada pelo tema da paz, "muitas vezes não é isso que ocorre" e as instituições "saem do seu quadrado institucional".

O ex-presidente criticou ainda uma cultura "que enseja a divergência entre os Poderes". "Vai se formando no Brasil uma consciência de que certos Poderes não podem conversar com outros Poderes", disse, ressaltando que a imprensa noticiava "como gesto criminoso" quando ele tinha encontros com ministros do Supremo.

FHC afirmou que "não dá para negar o fato que o presidente [Bolsonaro] tem arroubos que não são condizentes com o futuro democrático". "Ele não vai conseguir. Mas cabe a nós, que temos experiência histórica, reavivar na memória dos brasileiros a necessidade de estarmos juntos em defesa da liberdade e da democracia."​

O ex-presidente tucano considerou que a democracia brasileira não está em perigo "porque o povo gostou de votar, dia de eleição no Brasil é dia de festa". Ainda assim, alertou que a estabilidade nunca está garantida e depende de que pessoas públicas reafirmem sua crença na democracia.

"O diálogo é essencial à vida democrática. Acho que isso se mantém. Você pode gostar ou não de quem esteja exercendo a Presidência da República em um dado período, mas mesmo essa pessoa que você não gosta está dentro do sistema", disse FHC.

Sarney também pregou a resolução de divergências pelo diálogo "de acordo com a tradição a brasileira". ​O ex-presidente afirmou ainda que a transição da ditadura para a democracia foi feita "com as Forças Armadas e não contra as Forças Armadas", o que permitiu que os militares voltassem aos quartéis.

Fizeram parte do encontro, como expositor e coordenador, respectivamente, os ex-ministros Nelson Jobim e Moreira Franco (MDB).

Jobim afirmou que "o sistema presidencial do país esgotou-se" e que 2018 introduziu a nova variável do "ódio na relação política", em que o adversário é tratado como inimigo.

O ex-ministro apontou o que considera uma série de disfuncionalidades que levaram ao cenário atual. A primeira seria o fato de políticos e partidos terem "perdido a capacidade de administrar seus dissensos no ambiente político" e, assim, estarem cada vez mais recorrendo ao Judiciário para tentar reverter derrotas.

​Estavam presentes ainda os presidentes dos partidos Baleia Rossi (MDB), Bruno Araújo (PSDB), ACM Neto (DEM) e Roberto Freire (Cidadania), que pregaram democracia e diálogo.

Apesar de terem feito algumas críticas pontuais a Bolsonaro, inclusive admitindo seu risco de ruptura institucional, os presidentes de DEM, PSDB e MDB não participam de articulações pelo impeachment, ao contrário do Cidadania.

Freire é um dos signatários do superpedido de impeachment contra Bolsonaro e destoou dos demais políticos ao fazer uma crítica contundente ao presidente, chamando-o de antidemocrata.

"Não vamos nos iludir. Não estamos reunidos para fazer uma ode à democracia. Estamos aqui para empreendermos uma luta para mantê-la. [...] Não estamos com nenhuma tranquilidade para o futuro. Temos graves problemas e não são disfuncionalidades das instituições. Nós temos é um disfuncional na Presidência da República", disse, em referência às disfuncionalidades apontadas por Jobim.

"Temos que ter coragem de dizer isso. Pode ter errado o Supremo, num intervencionismo, num certo ativismo, que já vinha antes", completou.

Freire mencionou a nota retórica divulgada por Bolsonaro após intervenção de Temer. "Não vamos ficar imaginando que a carta que o nosso Michel Temer, um democrata que merece todo nosso respeito, vai fazer com que Bolsonaro vá se conter", afirmou, lembrando que o presidente continua tentando "desmoralizar o processo democrático eleitoral".

Rossi também fez referência à nota que Bolsonaro divulgou com ajuda de Temer. "Tivemos manifestações pacíficas com uma minoria barulhenta pregando a quebra das instituições, [...] algo que não podemos admitir. [...] Temer fez um gesto de pacificação muito comentado e comemorado por todos, porque temos neste momento problemas reais que podemos enfrentar", disse.

Neto afirmou "refutar qualquer posição de radicalismo e de antagonismo" e afirmou que "Todos os Três Poderes têm acertos e erros".

"É evidente que, infelizmente hoje em dia, somos obrigados a discutir se corremos ou não o risco de ruptura institucional. Muitas vezes somos obrigados como presidentes dos partidos a trazer manifestações públicas de defesa das instituições. [...] Infelizmente, porque na verdade precisaríamos estar focado em outros problemas. [...] Vejo o quanto as pessoas estão hoje aflitas com o Brasil real", disse.

Araújo afirmou que uma geração política passa à seguinte a compreensão de que a democracia é o caminho.

"Cabe a essa geração seguir com o papel. O país tem a maturidade das suas instituições comprovada. Vamos chegar em 2022, o papel da política é apresentar alternativas à sociedade", disse.