SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou que o governo João Doria (PSDB) explique por que tem usado recursos do Fundeb para pagar aposentados.

Apesar de a lei do novo Fundeb, aprovada em 2020, vetar expressamente a aplicação da verba com inativos, o orçamento de 2021 ainda contou com essa prática. Há mais de duas décadas, governadores tucanos utilizam recursos da educação na previdência, o que já foi considerado inconstitucional.

O governo Doria mantém a prática mesmo depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter decidido que é inconstitucional a legislação de São Paulo que criou brecha para esse uso e da emenda do novo Fundeb vetar textualmente essa possibilidade.

A representação ao TCU foi feita pelo Ministério Público de Contas do Estado e pelo Ministério Público Federal, com pedido urgente de medida cautelar. As instituições alertam sobre o risco de mais prejuízos ao financiamento da educação paulista, sobretudo após o presidente Jair Bolsonaro (PL) ter anunciado reajuste de 33,24% no piso dos docentes.

"O estado pode não conseguir cumprir o piso de 33,24% se continuar aplicando parte do recurso do Fundeb para pagar aposentados. Ou então ter que cortar investimentos em outras áreas da educação para cumprir o piso. É inconcebível que o estado mais rico do país tire dinheiro da sala de aula por não conseguir tornar sustentável seu sistema previdenciário", diz Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas.

Questionado, o governo estadual não informou se irá cumprir o piso nacional. Desde 2020, o piso salarial de professores da rede estadual paulista é de R$ 2.886,24, o valor mínimo estabelecido nacionalmente para a remuneração docente. Com o reajuste anunciado por Bolsonaro, o piso para este ano foi para R$ 3.845.

No fim do ano passado, a gestão Doria anunciou proposta de um plano de carreira para os professores do estado, com a promessa de que o salário inicial pode chegar a R$ 5.000 ainda em 2022. O projeto ainda não foi apresentado à Assembleia Legislativa paulista, que precisa aprová-lo.

Em resposta à Folha, o governo disse que o uso dos recursos educacionais para pagar aposentados foi resolvido em 2018 pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) e que a decisão está sendo rigorosamente cumprida. O tribunal paulista autorizou um período de transição de cincos anos, que se encerra apenas no fim de 2024, para que São Paulo abra mão do Fundeb nas contas previdenciárias.

"A modulação da decisão do TCE prevê a redução gradual do uso do Fundeb para essa finalidade durante cinco anos, até cessar a sua utilização. Isso não está prejudicando os investimentos da Secretaria da Educação", diz nota do governo.

No entanto, em agosto de 2020, em julgamento unânime, o STF considerou inconstitucional uma lei estadual paulista, de 2007, que permitiu computar como gasto em educação o déficit previdenciário. A decisão do Supremo se sobrepõe à do TCE, ainda assim o estado continuou com a prática.

"Há décadas, São Paulo fica nessa recalcitrância jurídica, se negando a cumprir a lei. O governo fica com esse jogo de criar novas leis, entrar com novos recursos para não usar o dinheiro da educação na sala de aula. O resultado vemos aí, escolas acumulando problemas estruturais, professores ganhando mal, alunos que terminam o ensino médio sem saber o necessário", diz Graziane.

Anualmente, cerca de R$ 3 bilhões do Fundeb em São Paulo têm sido utilizados na previdência. No orçamento de 2021, encaminhado após a promulgação da emenda do fundo e da decisão do Supremo, R$ 2,1 bilhões do Fundeb foram vinculados a aposentadorias, de um total de R$ 18 bilhões recebidos pelo estado.

Para o orçamento de 2022, o estado também prevê usar recursos educacionais para o pagamento de aposentados.

A Constituição Federal determina investimento de 25% das receitas para a área. Já a Constituição de São Paulo fala em 30% -mas só ao considerar o gasto com aposentados é que o estado alcança essa exigência.

Além das decisões contrárias do STF e da nova emenda do Fundeb vetar o uso dos recursos para aposentados, no fim do ano passado, uma decisão do TCU já abriu precedente para a proibição. Em novembro, o tribunal decidiu que Pernambuco não poderia usar a verba do Fundeb para essa finalidade.

"O cerco está se fechando contra essas manobras do governo paulista e até agora não apresentaram uma resolução para o problema. A gestão Doria não pode dizer que está com as contas em dia, como vem afirmando, se está reiteradamente desviando recursos do Fundeb", diz Graziane.