BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A um mês de deixar o cargo para se candidatar à disputa pelo governo de São Paulo, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, virou alvo de críticas e de ataques de aliados de João Doria (PSDB), de opositores de Jair Bolsonaro (PL) e até de grupos empresariais contrariados por decisões do ministro.

Garoto-propaganda de Bolsonaro por conduzir um programa de concessão considerado bem-sucedido pelo governo, Tarcísio não queria se arriscar em São Paulo.

O ministro avaliava ter mais chances com uma candidatura ao Senado, mas Bolsonaro pediu que Tarcísio mudasse de ideia para ele próprio ter palanque garantido em São Paulo --berço do governador João Doria.

Os resultados das últimas pesquisas, no entanto, turbinaram os planos do governo com Tarcísio.

Em dezembro, o Datafolha apontou o ministro com 9% das intenções de voto. O Palácio do Planalto avaliou haver em Tarcísio potencial para avançar no segundo turno.

Desde então, Tarcísio vem aparecendo em eventos privados e palestras com um discurso mais alinhado com Bolsonaro, tecendo elogios à gestão da qual faz parte e direcionando críticas, e até palavrões, contra Lula e Dilma.

Em um evento privado para investidores em São Paulo, há cerca de um mês, Tarcísio disse que deixa a Esplanada até abril para se candidatar, e, sem citar nomes, fez ataques a Doria e aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, ambos do PT.

"Corrupto tem de ir para o inferno, para o raio que o parta, para a puta que pariu", disse. "Por isso que eu não quero ver mais corrupto na Presidência da República. Me preocupa a saudade que alguns têm dessa época."

Engenheiro formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), fez carreira como servidor da Câmara dos Deputados até ser transferido para a CGU (Controladoria Geral da União), onde chegou a ser coordenador-geral de auditoria da área de transportes.

Escolhido por Dilma, Tarcísio foi diretor-executivo do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) logo após a faxina contra esquemas de corrupção no órgão deflagrada pela ex-presidente.

Como número 2 do órgão, ele deu os primeiros passos mais concretos de sua jornada na infraestrutura até chegar ao PPI (Programa de Parceria de Investimentos), primeira medida do ex-presidente Michel Temer, em 2016.

Lá passou a monitorar todos os projetos de concessão de infraestrutura no PPI, principalmente o de rodovias. O ministro recentemente afirmou ter tido vontade de ser caminhoneiro devido à paixão pela boleia. A categoria é uma das principais aliadas do governo e Tarcísio até hoje participa de grupos de caminhoneiros.

Tornou-se ministro no momento em que teve a chance de entrar no gabinete de Bolsonaro ainda no governo de transição, na sede do Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, para defender a manutenção do PPI.

Naquele momento, o programa tinha leiloado somente 22 projetos de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, garantindo cerca de R$ 14,5 bilhões em investimentos.

Entre 2019 e 2021, foram 81 projetos de infraestrutura logística concedidos à iniciativa privada com investimentos de R$ 76,2 bilhões.

Tarcísio deixará o cargo com a previsão de conceder 25 aeroportos, 15 rodovias, 4 ferrovias e 30 portos e terminais, o que destravaria R$ 109,5 bilhões em investimentos.

Esse desempenho garantiu boas notícias a Bolsonaro que, nos últimos três anos, vem enfrentando quedas na sua popularidade devido a derrotas políticas decorrentes de projetos malfadados, aos estragos causados pela pandemia e, mais recentemente, à deterioração dos fundamentos da economia (inflação e juros, especialmente) com a guerra na Ucrânia --que fez disparar os preços de alimentos e do petróleo.

O ministro usa os resultados de sua administração e, em eventos e palestras, discursa com o tom de um realizador destemido que, segundo ele, não tem medo de "arregaçar as mangas" e passar por cima de qualquer dificuldade.

Seu crescimento nas pesquisas vem levando opositores a se articularem nas redes sociais para atacá-lo e até relativizar o sucesso de seu plano de concessão --carro-chefe da campanha.

Até mesmo em partidos aliados, como o Republicanos, PP, de Ciro Nogueira, e o PL --partido ao qual Tarcísio se filiou-- correm críticas.

Empresários ligados a esses políticos fizeram circular nas últimas duas semanas uma postagem em redes sociais mostrando que o ministro é citado pela PF em investigações de corrupção no Dnit, uma forma de desgastar a imagem de "bom moço" do ministro. Tarcísio nunca foi alvo da PF.

Aliados de Doria, que apoia Rodrigo Garcia (PSDB) para o governo de São Paulo, partiram para o ataque contra a concessão da NovaDutra, arrematada pela CCR em leilão no final do ano passado, e que trará R$ 14,8 bilhões em investimentos.

Em tom de campanha, o contrato teve cerimônia de assinatura e contou com o presidente Bolsonaro.

O governo federal divulgou um vídeo institucional do projeto, que vem sendo questionado em São Paulo.

Aliados de Doria criticam o fato de o projeto só prever a duplicação da rodovia Rio-Santos, uma contrapartida de investimento, e o fato de os pedágios da NovaDutra nos trechos de São Paulo terem ficado com descontos muito menores (3%) do que os do Rio de Janeiro (21%).

Fundos de investimento de infraestrutura e grupos empresariais que falaram sob anonimato com a reportagem avaliam que a modelagem de muitos projetos, principalmente de ferrovias e rodovias, favoreceu a Rumo e a CCR.

Essas críticas também surgem nas conversas com terminais portuários que viram seus planos de renovação afundar depois de recusas de Tarcísio, que pretende modernizar a rede de acesso ao porto de Santos (SP), antes de privatizá-lo.

Segundo eles, no caso da Rumo, as concessões adquiridas em ferrovias especialmente consolida sua posição como grupo de logística, integrando rodovias e ferrovias para o escoamento de produtos.

A CCR, consolida sua posição na oferta de soluções de transportes integrados --aeroportos, rodovias, e mobilidade urbana.

A crítica é de que os projetos teriam sido precificados para menos, o que explica ágios muito elevados que só poderiam ser pagos por grupos bem capitalizados.

A secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério de Infraestrutura nega qualquer tipo de direcionamento.

À reportagem ela afirma que todos os projetos foram desenhados com base no apetite do mercado e que a precificação (valor da concessão) foi calculada dentro de parâmetros adequados e aprovados pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

"De fato, grupos como a Rumo e a CCR se fortaleceram nos últimos leilões, mas isso por uma questão de estratégia deles", disse Marcassa. "Os projetos foram elaborados inclusive prevendo a entrada de novos grupos estrangeiros, mas eles desistiram devido ao risco-país."

Sócio da Inter B, consultoria Internacional de Negócios, o economista Cláudio Frischtak, assessorou diversos grupos nacionais e estrangeiros nas concessões de infraestrutura.

Para ele, Tarcísio escolheu projetos que dariam mais exposição e o problema não foi de modelagem, mas de idealização da concessão.

"A BR-163, por exemplo, é uma ativo cujo desenho foi mal feito", disse Frischtak. "Foi feito para não dar competição."

Segundo ele, o governo seguiu o modelo de concessão da gestão do ex-presidente Michel Temer e selecionou os projetos mais "sexies" para levar adiante.

"Veja que poucas deram vazio. O único caso de insucesso foi o da BR-381 [conhecida como Rodovia da Morte, entre MG e ES], que o ministério tenta pela segunda vez tornar o projeto atrativo", diz Frischtak.

O Ministério informa que "vem aprendendo com a modelagem dos projetos" e que a BR-381 é um desafio, pela geografia (serra) e riscos de investimento atrelados à obra em um momento de alta de custos de insumos. O projeto "voltou à prancheta" e deve ser leiloado novamente ainda neste ano.

Por meio de sua assessoria, o ministério afirma que Tarcísio "não figura como alvo em nenhuma das investigações". Diz que, como gestor, ele assinou contratos seguindo "trâmites e exigências legais", amparado por pareceres técnicos e jurídicos do órgão e que "não tinham como antever a ocorrência de eventuais irregularidades".

A pasta diz ainda que, no caso da NovaDutra, as críticas não têm fundamento porque os valores das tarifas de pedágio variam de acordo com a distância de cobertura de cada praça de pedágio. "Quanto maior a distância de uma praça para outra, maior será o preço de pedágio entre elas."

"Cabe esclarecer ainda que os investimentos definidos no projeto são provenientes de estudos de demanda e capacidade viária, sem distinção entre os estados, considerando-se tão somente critérios técnicos para a decisão", diz a pasta.