SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pré-candidato do presidente Jair Bolsonaro ao Governo de São Paulo, o ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) é vendido por seu grupo político como um entregador de obras e concessões.

Levantamento feito pela Folha de S.Paulo, porém, mostra que os investimentos da pasta caíram em relação a gestões anteriores.

Além disso, em São Paulo, estado que Tarcísio pretende administrar, há entregas tímidas na comparação com outras unidades da federação e até obras importantes travadas pelo Ministério da Infraestrutura.

Tarcísio, diante disso, aposta nas grandes concessões, como a do Porto de Santos e a da rodovia Presidente Dutra, como marcas para sua gestão. Ele chegou a ser apelidado de "Thorcízio" por aliados, em uma brincadeira com a força com que usa o martelo durante leilões de ativos públicos.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, a candidatura de Tarcísio preocupa rivais, já que ele pode crescer embalado pela polarização e pelo apoio de Bolsonaro. Além disso, há a avaliação de que o ministro, por ser visto como técnico e menos afeito aos arroubos do presidente, é capaz de furar o teto de votos bolsonarista.

Tarcísio tem sido alvo de críticas até de grupos empresariais e sua fama de realizador é contestada pelos gastos da pasta, que mostram que o Ministério da Infraestrutura investe menos do que no passado.

A média de investimento anual nos últimos três anos foi de R$ 8,5 bilhões, em valores executados e corrigidos, de acordo com o site Siga Brasil, do Senado.

Na última gestão, durante as administrações Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), esse valor médio foi de R$ 10,5 bilhões, contabilizando pasta equivalente, a de Transportes, Portos e Aviação Civil.

Sob outra realidade econômica e no auge do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o investimento da primeira gestão de Dilma chegava ao dobro disso.

O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), por exemplo, que fica sob o guarda-chuva da pasta de Tarcísio, tem R$ 6,2 bilhões em investimentos previstos para este ano. Em 2012, o órgão investiu R$ 21 bilhões.

Os números em queda têm reflexos na qualidade das estradas. Levantamento da CNT (Confederação Nacional do Transporte) mostra que o investimento público em rodovias federais, que em 2018 foi de R$ 156 mil por km, caiu para R$ 143 mil em 2020 e teve previsão de R$ 109 mil em 2021.

Em São Paulo, a fama de pavimentador de Tarcísio enfrentará a máquina da gestão João Doria-Rodrigo Garcia (ambos do PSDB), que também buscou a construção de estradas como ativo, de forma que o tema das rodovias deve ser motivo de embate na campanha.

O Governo de São Paulo lançou dois programas de recuperação de estradas, o Novas Vicinais, com gasto de R$ 6,5 bilhões para 5,8 mil km, e o Estrada Asfaltada, de R$ 1,7 bilhão para 2,3 mil km.

O investimento do Dnit em São Paulo foi de R$ 44,8 milhões em 2021 e está estimado em R$ 14 milhões para 2022. Já os investimentos da Secretaria de Logística e Transportes, que contempla as obras em rodovias, foram de R$ 3,5 bilhões em 2021 e têm previsão de R$ 6,8 bilhões em 2022.

Tarcísio também tem investido no discurso de que destravou obras paradas de outras gestões.

"De vez em quando me perguntam o que acho de críticas da oposição de que estamos concluindo obras de governos anteriores. Eu acho um elogio. Acho que meu papel em pensar a infraestrutura como política de Estado, e não de governos, está sendo cumprido", escreveu em suas redes sociais.

Até o momento, o ministério de Tarcísio entregou 263 obras no país, segundo listagem feita pela pasta.

Com 14 obras identificadas pela reportagem, São Paulo teve menos entregas que ao menos outros cinco estados -Mato Grosso do Sul liderou com 24 delas, seguido por Santa Catarina (21), Minas Gerais (17), Bahia (15) e Goiás (15).

Ao menos quatro dessas obras já estavam em estágio avançado, uma vez que foram inauguradas no primeiro ano da gestão Tarcísio. Há a previsão de mais três entregas da pasta em São Paulo neste ano, mas nenhuma com potencial de se tornar uma marca.

O portfólio do ministro em território paulista vai da reforma na pista do aeroporto de Congonhas a melhorias no Porto de Santos, passando por restauração de trecho da BR-101 em Ubatuba.

Nessa seara, por outro lado, o ministro é tido como um dos responsáveis pelo travamento de obras no estado governado João Doria, rival do presidente.

Entre aliados do vice-governador Rodrigo Garcia, que deve assumir o governo em abril e disputará a reeleição ao Palácio dos Bandeirantes, a leitura é a de que a gestão Bolsonaro agiu para prejudicar o estado no âmbito da rixa com Doria.

Para eles, o ministro, que antes não cogitava uma candidatura em solo paulista, mas em Goiás, agora será cobrado pelos imbróglios.

Um caso considerado simbólico é o da concessão da Dutra, que prevê a duplicação da rodovia Rio-Santos somente no trecho fluminense. Prefeitos e entidades do Vale do Paraíba (SP) reclamam ainda do desconto maior dado nos pedágios no Rio.

No último dia 4, em São José dos Campos (SP), durante evento com Bolsonaro para oficializar a concessão, Tarcísio afirmou que "o trecho até Angra dos Reis [RJ] vai ser duplicado", o que foi considerado uma gafe perante os paulistas.

A pasta afirma que o maior tráfego no trecho fluminense explica a necessidade de duplicação e que o preço dos pedágios foi definido sem distinção entre estados, mas por critérios técnicos. O usuário terá a possibilidade de pagar conforme a quilometragem rodada.

Outra questão emblemática é a ponte entre Santos e Guarujá, que Doria prometeu tirar do papel em sua campanha e que depende do aval do Ministério da Infraestrutura por envolver o Porto de Santos.

A gestão tucana fez uma série de alterações no projeto a pedido do governo federal e entregou a última versão em novembro de 2020 --desde então aguarda o retorno da pasta sobre a obra de R$ 3,9 bilhões.

Se a autorização do governo Bolsonaro não for dada até o fim deste mês, o Governo de São Paulo deve entrar com uma ação judicial, o que também pode ser usado como munição contra o ministro.

Em resposta à reportagem, o ministério afirma ter conhecimento sobre o projeto da ponte, mas "entende que um túnel atende melhor a solução da mobilidade urbana e não cria impedimentos à operação e à expansão dos serviços portuários".

O túnel deve ir a leilão neste ano, segundo a pasta, e será financiado pela empresa vencedora da licitação da desestatização do Porto de Santos.

Também estava pendente de aval do Dnit a ampliação de um canal da Hidrovia Tiete-Paraná. O governo Doria enviou o projeto ao ministério em setembro de 2020 e aguardava o repasse de verba desde então.

A aprovação ocorreu apenas em fevereiro deste ano, e as obras podem ter início ainda em 2022. Tucanos associam a recente resolução à pré-candidatura de Tarcísio, que pode tentar capitalizar em cima da obra.

A construção do canal de Avanhandava está parada desde 2019. Nesse período, a hidrovia chegou a ser paralisada por sete meses devido à seca, algo que a obra deve evitar.

Procurado pela Folha de S.Paulo, o ministério afirma que o atraso na obra se deve à necessidade de contratação de uma nova empresa, já que anterior era pouco efetiva. Diz ainda que a demora na aprovação foi causada pelos estudos insuficientes apresentados pelo governo paulista, algo que a gestão Doria contesta.

Da parte do ministério, há a admissão de "redução orçamentária nos últimos anos". A pasta diz trabalhar com a concessão de ativos à iniciativa privada para "destravar investimentos e melhorar a infraestrutura de transportes do país".

Desde o início da gestão, já foram concedidos 81 ativos, que, segundo o governo, garantirão investimento de quase R$ 90 bilhões durante os contratos. Para este ano, estão previstos outras 56 privatizações, com mais de R$ 165 bilhões em investimentos.

Em um vocabulário cheio de superlativos, Tarcísio tem exaltado como estrela do pacote a privatização do Porto de Santos que, diz ele, será a maior do hemisfério sul.

O ministro quer bater ele próprio o martelo do máximo possível de concessões, algo que considera a vitrine de sua gestão. Antes de deixar o cargo para concorrer, ele participa, em 30 de março, do leilão da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo) e de outros três terminais portuários.

Apostando nesse discurso, que lembra mais Doria do que Bolsonaro, Tarcísio já voltou seu raio privatizador para São Paulo, onde, se eleito, promete vender também a Sabesp.

O ministério cita uma série de concessões previstas no estado. Na aviação, Congonhas e o Campo de Marte estão entre os 15 aeroportos a serem concedidos à iniciativa privada. Além disso, há desestatização de ferrovias e portos, como o de Santos e São Sebastião, na lista.

A respeito da queda nos investimentos, a pasta afirma que os dados enviados pela Folha de S.Paulo "são referentes aos empenhos das despesas discricionárias do orçamento fiscal e da seguridade social, investimentos, excluídas as agências reguladoras".

Os dados informados pelo ministério somam R$ 27 bilhões nos três primeiros anos de gestão -ainda assim, o investimento permanece em queda, com gasto médio anual na casa dos R$ 9 bilhões.

O ministério afirmou que atuou de forma eficiente no uso dos recursos públicos e na parceria com a iniciativa privada. "Assim, foi possível superar os resultados obtidos desde 2019", diz.

Ainda segundo o governo, o orçamento atual "prevê a destinação de R$ 5,9 bilhões para o Dnit". "O valor é maior do que o previsto inicialmente no projeto de lei. Entre a tramitação e a sanção presidencial, houve um incremento de R$ 1,4 bilhão, que irá favorecer diversos empreendimentos em andamentos."

Sobre a quantidade de obras em São Paulo, a pasta afirma ter "atuação nacional" e estar orientada "para atuar na formulação de políticas e na provisão da infra de transportes para as 27 unidades da federação".