SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Iberê Camargo era um artista de linguagens distintas -criou pinturas, gravuras, textos, roupas, cerâmicas e quis, também, que seus quadros se tornassem grandes tapeçarias nos anos 1970. A tarefa ficou nas mãos de uma tapeceira, e não se tratava de um processo de cópia mecânica das pinceladas do pintor.

Maria Angela Magalhães, que trabalhou com ele por dez anos, precisou tingir todas as lãs com as cores das obras originais de Iberê Camargo. Nessa tapeçaria bordada, ela juntava fios de seda e lã na mesma agulha para simular o brilho da pincelada clara, quase translúcida, no próprio tecido.

O ponto corrido, que forma uma superfície lisa, dava forma no tecido à pincelada espessa e uniforme do artista. Já o ponto brasileirinho, criado por Madeleine Colaço, criava a textura crespa que partiu da impressão que os vários pigmentos juntos dão na tela.

Oito dessas tapeçarias são expostas agora na mostra "O Fio de Ariadne", no instituto Tomie Ohtake, até 11 de julho, junto com as pinturas em que foram baseadas.

Denise Mattar, à frente da exposição com Gustavo Possamai, conta que o nome da mostra remete à "estrutura labiríntica da própria personalidade do Iberê". É uma referência à figura mitológica de Ariadne, que na mitologia clássica oferece a Teseu um novelo de lã para o ajudar a sair do labirinto do Minotauro.

A mostra, que já passou pela Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, foi pensada a partir do tema do feminino, proposto pela Bienal do Mercosul. Uma grande linha do tempo, aliás, mostra uma série de mulheres que foram fundamentais na vida do artista, como a própria Maria Angela Magalhães, a mulher dele, Maria Coussirat Camargo, e as artistas Djanira, Regina Silveira e Maria Tomaselli, além de Adriana Calcanhotto e Fernanda Montenegro.

"Nós falamos sobre as mulheres que permearam a vida dele e sobre esse apagamento. Ao mesmo tempo, discutimos por que a tapeçaria e a cerâmica são ciclicamente consideradas artes maiores e depois menores", diz Mattar, sobre a exposição.

Além das oito tapeçarias -é estimado que Iberê Camargo tenha criado dez durante a vida-, há também 36 cerâmicas, obras dos anos 1960 aos 1980 que não são expostas há cerca de quatro décadas e que fazem parte de coleções públicas e particulares em Lisboa, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Mattar brinca que o que foi feito não foi uma seleção de peças, mas uma "busca e apreensão", já que estavam todas espalhadas e distantes do público.

Nas cerâmicas, de novo, o artista é assistido por mulheres -as ceramistas Luiza Prado e Marianita Linck-, mas numa outra perspectiva. Primeiro porque essas peças eram quase trabalhos experimentais para ele. Segundo relatos, quando dava aula, o artista pedia aos alunos que levassem pratos brancos para ele mesmo pintar.

São figuras de bichos, casais copulando, pênis e vaginas que aparecem nessas cerâmicas, e não em seus trabalhos em outros materiais. Já era possível ver nessa grande experimentação, no entanto, uma técnica que ele incorporou a sua pintura -a de, com a ponta do pincel, retirar a tinta já aplicada.

O trabalho com as duas ceramistas, no caso, era de apoio técnico, conta a curadora. Eram elas que explicavam, por exemplo, qual cor uma determinada tinta tem depois de ir ao forno. Mesmo assim, as peças eram produzidas pelo próprio Iberê Camargo.

O artista até brincava com possíveis erros técnicos. Quando ele estava num momento de usar muito mais tinta em suas obras, decidiu incorporar isso às cerâmicas. Mas, no forno, os pigmentos em excesso estouram. Mattar conta que, no depoimento que colheram de Marianita Linck, a ceramista disse que ele pretendia que aquela explosão ficasse em suas peças.

No caso das tapeçarias, a curadora usa o termo transcriação, criado por Haroldo de Campos, para indicar que o que foi feito nessas grandes peças é o transporte de uma linguagem para outra -e que isso, claro, incluiu toda a seleção de fios e pontos. As primeiras tapeçarias eram assinadas somente por Iberê, mas as últimas levavam o nome da dupla, o que indica que o próprio artista percebeu o papel criador da tapeceira.

O que costura esses dois momentos do artista na cerâmica e na tapeçaria, segundo Mattar, é sua intenção erótica. "O erotismo permeia toda a obra dele, por baixo de tudo você encontra essa densidade. Mas, abertamente, aparece poucas vezes. Nas cerâmicas isso é declarado", conta.

Essa vibração aparece, mesmo que sutilmente nas últimas tapeçarias, em todas as peças -como a fina lã do novelo de Ariadne, que agora conduz o público por esse grande labirinto.

O FIO DE ARIADNE

Quando Até 11/7. Ter. a dom.: 12h às 17h

Onde Instituto Tomie Ohtake - av. Faria Lima, 201, Pinheiros, São Paulo

Preço Gratuito