SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Taleban lançou uma grande ofensiva em todo o Afeganistão neste domingo, aumentando o temor de que o grupo fundamentalista islâmico irá retomar o poder à força na esteira da retirada das forças americanas e ocidentais do país.

Os ataques foram concentrados em três cidades: Herat, o principal centro urbano do oeste afegão, e Kandahar e Lashkar Gah, ao sul.

A Herat, onde na sexta uma base das Nações Unidas foi atacada aparentemente por talebans, o governo enviou centenas de forças especiais para tentar impedir a queda da cidade.

Civis não deixaram suas casas e os relatos, algo desencontrados, falam em invasão iminente.

Em Kandahar, cidade conhecida como a "capital do Taleban" por ser o centro da etnia pashtun, à qual pertence o grupo, o aeroporto foi atacado com dois foguetes, danificando a pista de pouso e obrigando a suspensão de voos.

"O aeroporto foi alvejado porque vem sendo usado como base para conduzir ataques aéreos contra nós", disse o porta-voz taleban Zabiullah Mujahid a agências de notícias.

Os EUA, apesar de estarem fora do país com tropas, ainda fazem alguns bombardeios em apoio ao governo em Cabul e ajudam a operar os aviões Super Tucano brasileiros usados pela Força Aérea afegã contra os insurgentes.

O padrão do ataque sugere a tentativa de controle das principais cidades a sul e a oeste, visando fechar o cerco sobre Cabul e o corredor que liga a capital até as áreas tribais do Paquistão. O norte do país já está praticamente todo nas mãos do Taleban.

A comunidade internacional parece resignada com que deverá ser a volta de um dos regimes mais atrozes vistos nas últimas décadas, marcado por uma visão medieval da religião islâmica e brutalidade extrema contra minorias e, principalmente, mulheres.

A China, maior potência econômica na região, recebeu na semana passada uma delegação com altos oficiais talebans e, para todos os fins, deu sua bênção para o grupo agir.

O fez na esperança presumida de evitar o incentivo ao terrorismo regional, a em especial em sua área muçulmana de Xinjiang, e talvez alguma acomodação com Cabul. Além disso, busca incorporar o Afeganistão a seu rola de satélites econômicos.

Já a Rússia reforçou sua posição do aliado Tadjiquistão, que faz fronteira com o Afeganistão e teme o transbordamento do conflito para seu território, como já ocorreu pontualmente nas últimas semanas. Nesta segunda (2), os dois países e o Uzbequistão começam um grande exercício militar na fronteira.

O governo afegão, liderado pelo presidente Ashraf Ghani, está numa situação cada vez mais complicada. Ele é visto como um marionete ocidental pelos talebans, e apesar de ter um Exército grande e relativamente bem equipado pelos americanos, a lealdade no país respeita linhas étnicas e tribais.

A Turquia, que ficou em Cabul como garantidora do aeroporto local, e o Irã, influente na comunidade do noroeste afegão, acompanham com atenção os movimentos, tentando manter canais de comunicação com os talebans.

Os fundamentalistas emergiram na política afegã no início dos anos 1990, durante a guerra civil que seguiu a retirada dos soviéticos após dez anos de ocupação, em 1989. Fomentado pelo Paquistão, vizinho que buscava um aliado a leste para se reforçar contra a rival Índia, o grupo acabou chegando ao poder em 1996, dominando 90% do país.

Nos cinco anos seguintes, buscou criar uma versão moderna do califado medieval, com uma interpretação estrita e desviante do Islã como guia político. O grupo tornou-se o protetor da rede terrorista Al Qaeda, de Osama bin Laden, saudita que havia feito fama no país como insurgente contra os soviéticos.

Do território afegão, Bin Laden planejou ataques a alvos americanos na África e no Oriente Médio, até chegar a seu golpe maior, os atentados com aviões no 11 de setembro de 2001 nos EUA. Aquilo selou o destino do Taleban, já que como o país era o hospedeiro da Al Qaeda, foi escolhido para ser punido em retaliação.

Bin Laden fugiu até ser morto em 2011, e o Taleban foi expulso do governo sob bombas e uma invasão que tornou-se um atoleiro de 20 anos para os EUA e seus aliados ocidentais, tendo custado estimadas 160 mil vidas, a maioria esmagadora de afegãos, e US$ 2,6 trilhões para o contribuinte americano.

Com a chegada de Joe Biden ao poder, o democrata fez valer acordos do antecessor, Donald Trump. Estabeleceu em abril que a guerra não fazia mais sentido e que deixaria os afegãos decidirem seu destino. Até aqui, tudo indica que a tarefa caberá aos talebans.