SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo Bolsonaro publicou, nesta sexta (5), uma portaria que impede que propostas culturais que pleiteiam incentivo via Lei Rouanet sejam analisadas e aprovadas nos próximos quinze dias caso elas envolvam "interação presencial" e sejam de estados onde atualmente vigoram medidas de restrição de circulação, toque de recolher ou lockdown.

Um dos locais atingidos diretamente pela portaria é São Paulo. A cidade volta neste sábado (6) à fase vermelha, que impõe, entre outros, restrições às atividades culturais. Na maior metrópole do país, cinemas, teatros e casas de show e quaisquer atividades que gerem aglomeração estão proibidas.

Produtores envolvidos com essas atividades consultados pela reportagem afirmam que, com tudo fechado, a portaria não traz consequências no curto prazo.

A longo prazo, porém, ela pode atrasar ainda mais a retomada da economia numa eventual melhora do cenário de crise do coronavírus.

Afinal, a portaria diz respeito a propostas, que por definição estão na fase inicial do processo de captação. É só quando elas são aprovadas para captar via Rouanet que elas se tornam projetos, passíveis de execução. E pode levar seis meses até que esses projetos se transformem em espetáculos de fato.

André Porciuncula, o capitão da PM responsável pela Lei Rouanet na Secretaria Especial da Cultura, postou no Twitter que "se é para ficar em casa, então não tem verba pública para projetos que geram aglomeração".

As tais propostas em vias de serem analisadas hoje provavelmente só aconteceriam daqui a três a seis meses. Agora, ficarão paradas por mais 15 dias antes que possam captar dinheiro.

Além disso, num cenário otimista em que a pandemia estaria atenuada no semestre vindouro, a portaria de Porciuncula atrasaria justamente a retomada das atividades econômicas do setor cultural.

"Na verdade, ele está prejudicando o andamento da Lei Rouanet", diz Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro, a APTR. "Só que não é para agora. Será que ele tem certeza de que a pandemia estará igual daqui a seis meses?"

"[A suspensão] prejudica a retomada, não o agora. Mas como ele não é da área [cultural], ele não conhece a operacionalização da lei, ele é policial, né", completa Barata.

Barata afirma que vê na ação de Porciuncula uma retaliação "política e partidária contra os governadores e prefeitos que, ao contrário do líder do executivo federal, não seguem o negacionismo" cujo foco principal seria o governo de São Paulo.

Recentemente, o secretário de Cultura do governo federal, Mario Frias, bloqueou no Twitter o secretário estadual de cultura de São Paulo, Sérgio Sá Leitão. Os dois trocaram farpas na rede social.

"Claro que a gente vai entrar com milhões de ações contra, mas não adianta, o cara [Bolsonaro] não gosta de cultura", diz Paula Lavigne, do 342 Artes, projeto que busca combater a censura e a difamação da classe artística. "Não adianta defender a Lei Rouanet porque ela já foi demonizada."

"Tudo é subsidiado no Brasil. Roupa, cerveja, carro. Mas o que acontece com a Lei Rouanet é que nos prostituíram em troca de um retorno de marketing. Quando alguém abre um carro, não vem uma voz dizendo 'este carro deixou de pagar IPI' [sigla para Imposto sobre Produtos Industrializados]", diz a produtora. "Isso pôs esse holofote sobre nós [da cultura]", diz Lavigne. "Eu não preciso de Lei Rouanet, os que precisam a gente não vê, são os menores, milhões de espaços culturais, do nordeste, na periferia."

"Esta nova decisão e portaria absurda publicada hoje pelo Governo Federal pode significar uma verdadeira pá de cal para o setor cultural brasileiro que já está vivendo a sua maior crise dos últimos 40 anos", diz Danilo Cesar, historiador e produtor cultural independente, um dos idealizadores e coordenadores da Frente Ampla de Cultura SP. "É como retirar o tubo de oxigênio de quem já está na UTI, para aniquilar de vez toda Cultura Brasileira."

Para ele, se sociedade civil e poderes públicos não se levantarem contra a portaria, o longo prazo do setor cultural ficará comprometido. "Estaremos semeando para o nosso país pós-pandemia um completo deserto cultural: sem música, sem filmes."

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Especial da Cultura do governo federal, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.