'Surto', vencedor do Sundance, mostra horror de um ataque psicótico
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quarta-feira, 24 de novembro de 2021
INÁCIO ARAUJO
FOLHAPRESS - "Surto" se propõe como isso mesmo -a descrição de um surto psicótico. O assunto interessará a especialistas. O filme dificilmente atingirá outras plateias. Tudo ali gira em torno de Joseph, um segurança de aeroporto, que passa os dias sofrendo com a hostilidade das pessoas que precisa revistar antes do embarque.
Se suas relações sociais parecem mínimas, em família as coisas não são muito melhores, com o pai arquiautoritário e a mãe de todo submissa. No dia de seu aniversário, ao experimentar o bolo preparado pela mãe, começa o surto.
O que é um surto e coisas assim o filme não vê como de sua alçada. Mas deixa entender que essa impaciência, o desejo de pular fora do próprio corpo, a manifestação de tiques incontroláveis, denunciam, mais do que um problema pessoal, a vida em uma sociedade absolutamente controlada.
A vida é vigiada, talvez bem mais do que imaginemos. O controle brutal dos aeroportos é apenas o sinal visível desse estado de coisas, que se manifesta a todo momento pelo apelo à "segurança" (essa instituição que, antes da polícia, se encarrega de manter a ordem, embora não seja menos violenta --e às vezes seja até mesmo mais, conhecemos bem os casos), pelas sirenes nas ruas, pelos rituais de senha dos cartões de crédito etc.
Nesse et cetera se incluíam, por exemplo, as mil exigências que devemos cumprir e dados que devemos fornecer para fazer qualquer coisa na internet, de pedir um prato de comida a se cadastrar no Poupatempo. Okay, esses últimos exemplos não constam do filme, mas estão subentendidos.
Aneil Karia, o diretor e corroteirista do filme, não desenvolve nenhuma ideia em relação à doença em si (se é que se trata de doença, no caso), optando por mostrar tudo. Seu procedimento é quase sempre sumário -acompanhar a personagem com uma trepidante câmera na mão, observar de costas e por vezes de frente, se fixar em alguns de seus gestos.
Joseph passa a resolver seu problema de falta de dinheiro com discretos assaltos a bancos, rouba também a moto de um desafeto com a qual sai em velocidade alucinada, troca socos na rua com um homem após um acidente.
Tudo isso Joseph faz sem ser importunado. Assim, depois que rouba um banco, sai correndo e permanece incógnito. Como se na multidão desaparecessem crachás e identidades, dando lugar a um anonimato que se confunde com a sensação de absoluta liberdade.
Nesse sentido, fica a impressão de que o surto corresponde a um ressurgimento do sujeito das brumas de uma sociedade muito mais repressiva do que costumamos imaginar.
O ponto de vista não deixa de ser interessante. A rigor, bem mais interessante do que esse filme britânico, em que o apocalipse pessoal da personagem pode até corresponder a uma descrição exata do que seja um surto dessa natureza, mas certamente implica uma repetição do mesmo sentido, por diferentes gestos, ao longo de quase toda sua duração. Não é fácil de engolir.
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SURTO
Elenco: Ben Whishaw, Ellie Haddington, Hammed Animashaun
Produção: Reino Unido, 2020
Direção: Aneil Karia
Avaliação: regular