BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O STF (Supremo Tribunal Federal) segura há mais de 16 meses o julgamento que pode destravar a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) em segunda instância ou remetê-la de volta ao juiz de primeiro grau Flávio Itabaiana.

Enquanto uma decisão sobre o caso é adiada, o Supremo tem deixado o caminho livre para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) impor derrotas em série às investigações do caso das "rachadinhas" no gabinete do parlamentar na época em que era deputado estadual.

A última delas foi a mais ampla: por 4 a 1, os ministros da Quinta Turma do segundo tribunal mais importante do país anularam todas as decisões que a Justiça do Rio de Janeiro já havia tomado e que propiciaram a produção de elementos usados pelo Ministério Público para denunciar o filho do presidente Jair Bolsonaro sob a acusação de liderar organização criminosa .

A ação que trata do tema chegou ao STF em junho de 2020 e teve julgamento marcado na Segunda Turma em duas oportunidades, mas foi retirada de pauta a pedido da defesa.

A definição do dia para analisar o caso depende do presidente da turma, ministro Kassio Nunes Marques, indicado pelo chefe do Executivo ao Supremo, e do relator, Gilmar Mendes.

Enquanto o processo está parado no Supremo, a apuração segue em segunda instância, mas investigadores relatam em conversas reservadas insegurança em avançar nas apurações pela ausência de uma palavra final do STF sobre qual é o foro competente para conduzir o caso.

A controvérsia chegou à corte após a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) retirar a investigação das mãos de Itabaiana, que vinha dando decisões duras, como ocorreu na decretação de prisão de Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador do esquema de arrecadação de salário de servidores do gabinete de Flávio, à época deputado estadual.

Por 2 votos a 1, os desembargadores afirmaram que, como ele havia trocado o mandato de deputado por senador, não deveria perder a prerrogativa de ser julgado diretamente por órgão colegiado de segunda instância, e não por apenas um juiz.

O MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), então, recorreu ao STF sob o argumento de que a decisão violou a jurisprudência da corte de restringir o foro especial de políticos.

O entendimento atual do Supremo determina que o foro só existe para crimes cometidos durante o mandato e que tenham conexão com a função.

Como Flávio não está mais no cargo em que teria cometido os crimes, os supostos delitos deveriam ser apurados em primeiro grau, segundo o Ministério Público.

Em resposta à ação apresentada pelos investigadores ao Supremo, até o TJ-RJ reconheceu que a decisão pode ter sido inédita, mas ponderou que não foi absurda.

O STF tem de decidir se altera a jurisprudência para os chamados mandatos cruzados. A tese dos advogados de Flávio é que o foro tem de ser ampliado para casos em que o político troca um cargo por outro, em vez de mandar para primeiro grau crimes cometidos por políticos em mandatos anteriores ao que ocupa atualmente.

O ministro Kassio Nunes Marques, por exemplo, já indicou ser favorável a essa mudança.

Na derrota mais ampla imposta às investigações pelo STJ, no dia 9 deste mês, a corte mudou de posição em relação a março do mesmo ano para aderir à tese da defesa.

Em março, a Quinta Turma da corte havia rejeitado os argumentos do senador, mantendo decisões de Itabaiana que permitiram a produção de elementos usados pelo MP-RJ para denunciar o filho do presidente.

Para justificar a reviravolta, os ministros fizeram menção a um julgamento do Supremo de maio de 2021, quando os magistrados da corte máxima do país firmaram entendimento de que a competência criminal originária para julgar congressistas federais deve ser mantida quando o político troca um mandato na Câmara por outro no Senado ou vice-versa.

Ocorre que a decisão do STF não abrangeu a situação de Flávio, uma vez que ele saiu da Assembleia Legislativa do RJ para o Congresso.

Os ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas, porém, mudaram de posição em relação a março para se alinhar a João Otávio de Noronha e declarar a incompetência de Itabaiana e a nulidade de todas as provas que haviam sido colhidas com autorização dele.

Em fevereiro, o STJ já havia anulado as quebras de sigilos bancário e fiscal de Flávio. Na ocasião, por maioria de votos, a Quinta Turma identificou problemas de fundamentação na decisão judicial.

Até o julgamento deste mês, o MP-RJ ainda buscava saídas jurídicas para preservar as provas obtidas na busca e apreensão realizadas em dezembro de 2019. Agora, no entanto, dificilmente os investigadores terão sucesso nessa missão.

Outra decisão do STJ em favor do senador tinha sido tomada em agosto, quando Noronha determinou a suspensão da investigação em segunda instância contra Flávio, Queiroz e outros 15 investigados.

Antes disso, o mesmo ministro tinha sido o responsável por libertar Queiroz poucas semanas após ele ter sido preso por ordem de Itabaiana.

Passados 16 meses de tramitação do processo no Supremo, a defesa de Flávio pede agora que a ação sobre o tema seja extinta.

Os advogados Rodrigo Roca e Luciana Pires argumentaram que a controvérsia deixou de existir porque a própria Promotoria reconheceu que a atribuição compete ao procurador-geral de Justiça, que atua na segunda instância.

A dúvida foi levantada internamente no MP-RJ em razão de outra apuração que envolve Flávio. A partir de um relatório inédito do Coaf, são analisadas suspeitas na transação de bens de pessoas relacionadas ao filho mais velho do presidente.

O promotor Alexandre Murilo Graça, que suscitou a questão sobre a competência para conduzir o caso, citou decisões judiciais conflitantes acerca do tema.

Ele cobrou do STF uma solução: "O próprio Supremo Tribunal Federal precisa estabelecer normas válidas para quando o suposto crime investigado diz respeito ao mandato anterior e o político que mudou de função pública segue dentro direito ao foro daquele cargo antigo (ou passa a ter foro do cargo novo)".

Para a defesa do senador, o reconhecimento pelo Ministério Público da atribuição da Procuradoria-Geral de Justiça para investigar e atuar nos feitos envolvendo o parlamentar esvaziou o objeto do processo em tramitação no Supremo.

"E de rigor reconhecer que a referida declaração de competência da Procuradoria-Geral de Justiça importou, lógica e automaticamente, na desistência da acão, na medida em que não e cabível o Órgão Ministerial, agora, reconhecer que o senador detém foro de prerrogativa de função quanto a um fato e persistir o declínio de competência denúncia para o Juízo de primeiro grau relativamente a outro fato."