STF articula liberar emendas do relator em troca de transparência dos gastos (1)
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segunda-feira, 08 de novembro de 2021
MATHEUS TEIXEIRA, THIAGO RESENDE E DANIELLE BRANT
BRASÍLIA, DF, E RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - Integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal) se articulam nos bastidores para evitar que a corte proíba totalmente o pagamento das chamadas emendas de relator (usadas como moeda de troca em negociações políticas na Câmara e Senado) e compre uma briga direta com o Congresso e o Executivo.
Essas emendas estão suspensas desde sexta-feira (5), quando a ministra Rosa Weber deu uma liminar bloqueando integralmente o uso dos instrumentos. O julgamento ocorrerá no plenário virtual entre terça (9) e quarta-feira (10).
Uma ala do tribunal tem trabalhado na tentativa de construir uma maioria no sentido de manter a execução dessas emendas, mas com a determinação de que sejam adotados mecanismos para aumentar a transparência desses recursos.
Líderes partidários da base dizem que não há consenso sobre a proposta, que, na prática, acabaria com esse tipo de emenda. Aliados do governo no Congresso avaliam ainda que, para que as emendas tivessem mais transparência, os critérios já deveriam ter sido estipulados previamente o que não aconteceu.
A ideia proposta por parte do STF permitiria o desbloqueio da verba que vem sendo usada em negociações políticas, mas deverá reduzir o poder de aliados do governo na articulação com congressistas, pois a maior transparência de informações irá expor o privilégio dado a quem vota em projetos de interesse do Palácio do Planalto.
A emenda de relator é um tipo de emenda que foi incluída no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba de anos anteriores.
Atualmente, ela é a principal moeda de troca em votações importantes no Congresso. O dinheiro disponível neste ano é de R$ 16,8 bilhões.
O Palácio do Planalto e aliados, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), têm usado esses recursos para privilegiar aliados políticos e, com isso, ampliar a base de apoio deles na Casa.
Lira se reuniu nesta segunda-feira (8) com o presidente do STF, Luiz Fux, para falar sobre a decisão que suspendeu essas emendas parlamentares. Após o encontro, eles não se manifestaram publicamente.
Na reunião com Fux, Lira procurou argumentar que a chamada emenda de relator, distribuída a deputados e senadores, é uma questão interna do Congresso, e qualquer decisão da corte no sentido de barrar o pagamento da verba seria uma ingerência em outros Poderes.
Reservadamente, aliados do governo disseram que a decisão da ministra demonstra o que consideram ser ativismo judicial do Supremo. Eles argumentam que, em caso de rejeição da PEC, escritórios de advocacia ganhariam honorários em cima do pagamento desses valores, e que a liminar seria uma forma de o STF legislar em benefício da classe.
Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais (que todo deputado e senador tem direito), as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região), as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso) e as do relator (criadas por congressistas influentes a partir de 2020 para beneficiar seus redutos eleitorais).
No caso das emendas individuais e de bancada, há muito mais informações públicas, como quem foi o congressista autor do pedido de liberação de recursos.
O uso desse novo tipo de emenda (a de relator) para barganhar apoio político na Câmara e Senado tem sido também questionado por órgão de controle, como o TCU (Tribunal de Contas da União).
O problema levantado é que não há uma divulgação transparente da destinação desse dinheiro.
Em outro revés recente do governo no STF, a ministra Rosa Weber, relatora do processo sobre a votação da PEC dos Precatórios, estabeleceu, no fim de semana, prazo de 24 horas para a Câmara dar informações sobre a aprovação do texto.
A PEC permite a expansão de gastos públicos e viabiliza a ampliação do Auxílio Brasil para R$ 400 prometido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em ano eleitoral.
Em resposta encaminhada ao tribunal nesta segunda (8), a Câmara argumenta que o Judiciário "não pode determinar que o Legislativo adote determinado procedimento na votação da lei orçamentária, porque tal ato constituiria invasão das prerrogativas constitucionais estabelecidas."
O documento diz ainda que o mecanismo não foi questionado durante as discussões dos projetos de lei do Orçamento de 2020 e 2021.
A argumentação da Câmara também cita uma nota técnica da Consultoria de Orçamento da Casa, cuja conclusão foi que a decisão da ministra impede o andamento de obras financiadas com recursos das emendas de relator. Portanto, o efeito da decisão liminar valeria tanto para emendas que ainda serão liberadas, como para aquelas que já estão sendo executadas.
O Senado também encaminhou nesta segunda (8) um parecer para o STF no qual pede a revogação da decisão da ministra que suspendeu o pagamento das chamadas emendas de relator.
A peça elaborada pela Advocacia do Senado afirma que a decisão "fere a autonomia" dos poderes Legislativo e Executivo e que, portanto, se mostra como uma "afronta às estruturações institucionais" dos Poderes.
A promessa de ampliar a liberação dessas emendas de relator até o fim do ano fez parte das negociações para o governo aprovar, em primeiro turno, o texto-base da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios.
Na semana passada, o presidente da Câmara editou ato para permitir a votação remota de quem está em missão autorizada pela Casa, o que foi contestado pela oposição.
Nesta segunda, Lira editou outro ato para liberar do registro de presença biométrica gestantes ou parlamentares em condição de saúde que impossibilite o trabalho presencial, desde que autorizado pelo presidente da Câmara e mediante documento que comprove o estado de saúde do parlamentar.
Há, atualmente, 17 deputados em missão autorizada pela Câmara. Desse total, 12 votariam a favor da PEC. Outros seis que apresentaram atestado médico também seriam favoráveis ao texto.
O governo passou os últimos dias mapeando os votos a favor da PEC e afirma haver apoio suficiente para que a proposta seja aprovada. Aliados de Bolsonaro contam com a pressão de prefeitos que estarão em Brasília nesta terça pedindo a aprovação da proposta, que também prevê a renegociação de dívidas previdenciárias dos municípios com a União.
Apesar da decisão da ministra do Supremo de suspender as emendas de relator, o governo mantém a previsão de que a votação da PEC seja concluída na Câmara nesta semana, começando já na terça.
O governo tem pressa para garantir o início do pagamento de R$ 400 do Auxílio Brasil em dezembro.
Se o acordo com o STF e a votação da PEC falharem, o Palácio do Planalto pretende editar decretos e medidas provisórias para cumprir a promessa de Bolsonaro.
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ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte
Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares
As emendas parlamentares se dividem em:
Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo
CRONOLOGIA
Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares
2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:
a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior;
b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória
2019
- O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
- Metade desse valor tem que ser destinado a obras
- O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
0 Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral
2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:
- Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
- Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
- Emendas de comissão permanente: R$ 0
- Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões

