RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Sob ataque no STF (Supremo Tribunal Federal), a colaboração do ex-governador Sérgio Cabral já foi usada em ao menos dez procedimentos abertos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e alvo de interesse da própria PGR (Procuradoria-Geral da República), que tenta anular o acordo.

A subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, pediu em julho de 2020 compartilhamento de um anexo da delação de Cabral para uma investigação contra o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), posteriormente arquivada.

No pedido feito ao ministro Edson Fachin, responsável por homologar a delação do ex-governador fluminense no STF, Lindôra diz que "as informações prestadas pelo colaborador Sérgio Cabral podem complementar evidências coligidas no inquérito".

A iniciativa vai contra o posicionamento da PGR desde fevereiro de 2020, quando recorreu da decisão de Fachin de homologar o acordo. A Procuradoria afirma que o ex-governador tenta "constranger os órgãos de persecução a lhe conceder os benefícios decorrentes da colaboração".

Fachin autorizou o uso do depoimento de Cabral no caso de Aécio. Contudo, o anexo não foi juntado ao inquérito e, em janeiro deste ano, Lindôra pediu o arquivamento do caso por falta de provas --mesmo entendimento da PF. O ministro Gilmar Mendes, relator do processo no STF, determinou o fim das diligências em março.

O Supremo começa a julgar nesta sexta-feira (21), no plenário virtual da Corte, o recurso da PGR contra a validade da delação de Sérgio Cabral com a PF.

Fachin decidiu submeter o tema à análise dos colegas um dia depois de a coluna Painel, da Folha, revelar o pedido da PF para que seja instaurado um inquérito, a partir do depoimento de Cabral, para apurar suposta venda de votos do ministro Dias Toffoli quando integrava o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O recurso da PGR atende ao entendimento do MPF no Rio de Janeiro, que rejeita considerar Cabral um colaborador. Os procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato fluminense, que comandam agora do Gaeco (Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado) do órgão, consideram que o ex-governador tem pouco a acrescentar além do que já foi descoberto pelas próprias investigações.

No Rio de Janeiro, Cabral já foi ouvido três vezes pelo Ministério Público estadual. A informação consta em uma certidão emitida pela Promotoria fluminense a pedido da defesa do ex-governador, que tenta manter a validade de seu acordo de colaboração premiada.

A certidão da Promotoria fluminense afirma que um depoimento de Cabral num procedimento gerou a abertura de outros sete. Três desses foram enviados para o MPF, em razão dos crimes descritos serem de competência federal.

O MP-RJ diz também que ele prestou outros dois testemunhos em outras duas investigações -todos depois da homologação do acordo no STF, segundo a Folha apurou. A certidão afirma ainda que o ex-governador apresentou documentos para corroborar parte das informações que prestou.

"O ex-governador mostrou-se colaborativo, esclarecendo com detalhes a dinâmica dos eventos postos em análise e oferecendo-se para apresentação de documentos, como de fato o fez, através de sua defesa técnica", diz o documento.

O documento do MP-RJ foi expedido pelo antigo Gaocrim (Grupo de Atribuição Originária Criminal), ligado ao gabinete do ex-procurador-geral de Justiça Eduardo Gussem.

O grupo atuava apenas em casos de pessoas com foro especial no Órgão Especial, como juízes, promotores e deputados estaduais -atualmente, é uma assessoria com mesma função ligado ao gabinete do novo chefe do MP-RJ, Luciano Mattos.

As investigações decorrentes dos depoimentos do ex-governador estão sob sigilo.

O primeiro foi realizado no primeiro semestre de 2019, quando ele decidiu mudar sua estratégia de defesa e passou a confessar crimes que diz ter cometido. O principal objetivo do novo comportamento é tentar responder em liberdade às 34 ações penais decorrentes da Operação Lava Jato.

Nele, o ex-governador afirmou que dois desembargadores foram nomeados ao cargo no Tribunal de Justiça em troca do arquivamento de investigação contra ele na Promotoria.

Segundo Cabral, a nomeação dos ex-membros do Ministério Público do RJ Sérgio Azeredo e Marcos André Chut aos cargos de desembargador foi feita para garantir o fim do inquérito sobre a "farra dos guardanapos", viagem que reuniu ex-secretários e empresários.

O arquivamento ocorreu numa tumultuada sessão do Conselho Superior do MP-RJ em novembro de 2013 com uma votação apertada: 6 a 4.

Nem Chut nem Azeredo integravam o Conselho Superior. Mas o ex-governador afirmou no depoimento que o primeiro lhe garantiu dois votos de membros ligados ao seu grupo. Já Azeredo foi nomeado para atender ao então procurador-geral de Justiça Marfan Martins Vieira -o atual desembargador foi seu chefe de gabinete.

Ambos foram indicados ao cargo no TJ-RJ em 2015, quando Cabral não era mais governador. Ele diz, contudo, que o acordo foi fechado junto com o ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB), seu sucessor, também acusado de corrupção.

Todos eles negam ter atuado em favor do ex-governador.

O depoimento do ex-governador foi dado para instruir a ação penal contra o ex-procurador-geral de Justiça Cláudio Lopes, acusado de receber uma mesada de R$ 150 mil, além de ter recebido apoio financeiro na campanha interna para escolha do PGJ.

Cabral já foi alvo de duas denúncias no Órgão Especial sob acusação de corrupção com o Cláudio Lopes. O ex-governador responde a, no total, 34 ações penais decorrentes das investigações da Lava Jato.

Ele já foi condenado em 18 processos a penas que somam mais de 342 anos de prisão. Decisão do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), porém, abriu brechas para que a conta seja reduzida significativamente após o fim dos processos.