Servidores e aposentados levam empresa Autibank à Justiça
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quinta-feira, 24 de março de 2022
LUCAS BOMBANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Centenas de clientes da empresa Autibank espalhados pelo Brasil afirmam que sofreram prejuízos de milhares de reais devido a promessas que não teriam sido cumpridas pela companhia e por seu CEO, Yuri Medeiros.
O Autibank, que se vendia aos clientes em potencial como um banco, embora não seja uma instituição financeira regulada pelo BC (Banco Central), ganhou destaque nas mídias sociais em meados do ano passado, com o patrocínio de shows de artistas famosos como Gusttavo Lima, Leonardo e Bell Marques.
O esquema, de acordo com os clientes e com o Ministério Público do Ceará, que apresentou denúncia no ano passado, consistia em orientar as pessoas a tomar empréstimo consignado ou pessoal em instituições financeiras tradicionais e fazer o repasse integral desses valores para o Autibank.
O suposto banco prometia garantir a quitação da dívida, acrescida de uma taxa de retorno que geralmente começava em torno de 1% ao mês, mas que poderia chegar até 4,5% mensais, de acordo com relatos e BOs (boletins de ocorrência) registrados contra a empresa.
O retorno prometido se daria por meio de investimentos na Bolsa de Valores, em fundos internacionais e em títulos do governo --segundo os clientes, essas eram as informações dadas pelo próprio Autibank.
A maior parte das pessoas que acusam a empresa é de aposentados ou servidores públicos federais, com potencial para fazer empréstimos de valores elevados. Segundo eles, funcionários do Autibank entravam insistentemente em contato por telefone oferecendo o "investimento", inclusive com visitas na casa das pessoas e convites para conhecerem a sede da empresa na cidade.
Na denúncia, a Promotoria cearense diz que a empresa se comprometia a devolver 10% do valor, em algumas parcelas, além de quitar os empréstimos.
No Tribunal de Justiça do Ceará, Medeiros é réu em processo por formação de organização criminosa e estelionato.
Executivo diz que negocia recursos com fundo árabe Em entrevista concedida à Folha na quarta-feira (16), Yuri Medeiros reconhece que o Autibank tem passado por uma série de dificuldades financeiras, mas diz que está em busca de soluções para conseguir honrar com os compromissos firmados junto aos clientes.
"Temos fortes indícios de que tudo se resolverá o mais breve possível", afirma Medeiros, que aponta a criação de sites falsos que teriam se passado pelo Autibank e os processos internos de compliance (checagem de cumprimento de regras) entre as razões para os problemas financeiros.
Ele diz ter a expectativa de conseguir solucionar todas as pendências com clientes e pagar aos funcionários com salários em atraso até o final deste mês.
Medeiros afirma estar em negociações com um fundo dos Emirados Árabes para retomar as operações do Autibank, que se encontra neste momento com as atividades paralisadas em todas as praças em que atua no país.
Ele diz ainda que tem sofrido uma série de ameaças de clientes, mas que não fugiu do país e que permanece à disposição da Justiça para prestar os esclarecimentos que forem necessários.
O CEO do Autibank, que afirma ter batizado a empresa em homenagem ao filho que tem autismo, não quis detalhar quais eram os investimentos realizados pela empresa que possibilitariam a entrega do retorno prometido aos clientes. "No momento certo vamos esclarecer tudo aos clientes e funcionários", diz Medeiros, que afirma não entrar em detalhes sobre a operação por recomendação de seus advogados.
"Nunca precisamos dar golpe em ninguém nem fazer nada desse tipo para conquistar mercado. Pelo contrário, causamos inveja em pessoas do segmento", afirma.
Empresa criou imagem parecida com a de um banco Em seu site, o Autibank se apresenta como uma conta digital 100% gratuita. "Unimos a segurança e tradição das agências físicas com a inovação e tecnologia das contas digitais", diz o texto.
A página também apresenta imagens de supostos cartões do Autibank com o logo da bandeira Elo, controlada por Banco do Brasil, Caixa e Bradesco. A Elo afirma não possuir acordo comercial com o Autibank: "Nenhum cartão com bandeira Elo foi emitido por essa empresa", e diz não ter autorizado o uso de sua marca em sites, redes sociais ou quaisquer materiais publicitários da instituição.
De acordo com a denúncia do Ministério Público do Ceará, o Autibank Pagamentos "é uma empresa registrada com CNPJ 36.276.015/0001-24, de propriedade do denunciado Yuri Medeiros, a qual não se trata de um banco e nem de instituição financeira, tanto que não consta autorização do Banco Central para funcionar como tal".
Com o início das atividades em meados de 2019 no Rio de Janeiro, a empresa que diz atuar no ramo de serviços financeiros chegou a abrir filiais em dez capitais, com uma das sedes na avenida 9 de Julho, em região nobre de São Paulo.
O objetivo, de acordo com Moacyr Lopes Junior, advogado que defende clientes que se dizem lesados pelo Autibank, era criar uma imagem de idoneidade.
As pessoas que têm ido até o endereço na capital paulista em busca de informações a respeito do dinheiro aplicado, contudo, não encontram mais ninguém no local para prestar qualquer tipo de esclarecimento.
"Os relatos indicam que o Autibank geralmente cumpria com as obrigações assumidas nos primeiros meses após a assinatura dos contratos, mas que os pagamentos, bem como os contatos com funcionários da empresa, cessavam pouco tempo depois", diz o advogado.
Servidores públicos federais se dizem alvo de golpe Um servidor público federal do Paraná que prefere não se identificar afirma que transferiu no ano passado cerca de R$ 70 mil ao Autibank, com a expectativa de receber um rendimento mensal ao redor de 1,7%.
Segundo ele, o rendimento oferecido era relativamente baixo e a oferta pareceu bastante justa, o que o levou a acreditar na empresa. Do valor aportado, a empresa retornou menos de 20% do total, com atrasos crescentes desde o final de 2021, até a interrupção total dos pagamentos neste ano, afirma.
Já um servidor público que reside em São Paulo diz que ele e o companheiro fizeram ao Autibank e empresas do grupo, em meados do ano passado, transferências que somaram aproximadamente R$ 670 mil, entre empréstimos e economias que haviam sido reunidas pelo casal.
Eles dizem que foram atraídos pelos shows de artistas famosos e pela abertura de agências em capitais, e não desconfiaram da promessa de rendimento em torno de 2% ao mês. Cerca de um terço do valor chegou a ser quitado, mas desde o final de janeiro que não há qualquer pagamento por parte da empresa, afirmam.
Em setembro de 2021, o Autibank chegou a se filiar junto à Febracon (Federação Brasileira dos Correspondentes Bancários), mas em dezembro a empresa foi descredenciada.
Presidente da federação, Armando Paes Filho diz que em nenhum momento o Autibank apresentou documentos que comprovassem a relação da empresa como correspondente bancário com qualquer instituição financeira que fosse.
"O Autibank e o Yuri Medeiros se utilizaram do fato de a empresa ser uma afiliada da Febracon para manter um pano de fundo de seriedade, como fizeram também com a promoção das lives dos cantores", afirma o dirigente. "O Yuri age de má-fé e deu um golpe no mercado", acrescenta Paes Filho.
Na denúncia feita no Ceará, o Ministério Público também descreve a criação de um cenário para enganar os clientes, com negociações feitas em escritórios apresentados como agências do Autibank -"empresa essa que não é um banco, mas aparentava ser."
"Essa empresa era utilizada somente para dar aparência de legalidade aos negócios, sendo certo que os contratos não eram feitos em seu nome, mas no de outras empresas", assinala o MP.
Medeiros afirma que o Autibank foi, em sua visão, erroneamente relacionado ao processo pelo Ministério Público. Ele diz que uma ex-funcionária da empresa que trabalhou anteriormente na consultoria Lugus, também sob investigação pelo MP, é a única relação do Autibank e dele próprio com a investigação em curso.
Na denúncia, no entanto, o MP aponta que Lugus, Forx Consultoria e Autibank faziam parte de um mesmo grupo criminoso, com modos de abordagem e persuasão bastante similares, além de atuarem no mesmo endereço em Fortaleza.
"Funcionários que não tinham qualquer relação com a investigação acabaram indo presos, é algo totalmente lamentável do meu ponto de vista", diz Medeiros. "Cabe à Justiça determinar o que é certo ou errado", acrescenta o CEO do Autibank.
"Uma pirâmide financeira se sustenta em um aparente caso de sucesso, com pessoas que dizem que estão recebendo de volta o valor investido, até que o dinheiro aos poucos para de chegar", afirma Luciano Régis, advogado que atua em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e que defende mais de uma dezena de clientes que se dizem lesados pelo Autibank.
Ele enfatiza a importância de se fazer uma pesquisa detalhada a respeito do histórico da empresa e das pessoas envolvidas antes que seja tomada qualquer decisão financeira que possa comprometer a renda pessoal e o orçamento familiar.
"O grande desafio agora é localizar o patrimônio do Yuri Medeiros e do Autibank para tentarmos recuperar os valores devidos aos clientes", diz o advogado, que também atua na defesa de clientes lesados por Glaidson Acácio, conhecido como o "faraó dos bitcoins".