BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - No momento em que a eleição presidencial peruana se encaminha para uma definição, com quase 98% das urnas apuradas e os candidatos Pedro Castillo e Keiko Fujimori separados por pouco menos de 70 mil votos, a cientista política Adriana Urrutia alerta para a formação fragmentada do novo Congresso do país.

Presidente da ONG Transparencia, ela afirma que a continuidade de um Parlamento dividido, sem maioria clara, levará o Peru a mais um período de instabilidade, como aconteceu nos últimos cinco anos, quando o país teve quatro presidentes, dois dos quais afastados por moções de vacância aprovadas no Legislativo.

Por telefone, Urrutia também diz à reportagem que as acusações de fraude eleitoral feitas por Keiko carecem de autenticidade, já que foram feitas muito tempo depois do fechamento das urnas. A reclamação da filha de Alberto Fujimori também só veio à tona depois de ela ser ultrapassada por Castillo na apuração.

PERGUNTA - Como a senhora vê as acusações de fraude feitas por Keiko Fujimori?

ADRIANA URRUTIA - A palavra fraude vem sendo muito usada desde a campanha, e por isso foi banalizada. Porém, é muito perigoso que essa expressão ganhe força depois da eleição, pois não se pode normalizar um fato que, se provado, é um delito eleitoral grave.

Os casos apresentados devem ser investigados, mas precisamos analisar com certa cautela. No Peru, os votos, depois de serem contabilizados nas atas, são eliminados, para que não sejam objeto de manipulação posterior. E o fechamento das atas depois da contagem dos votos é vigiado por fiscais de todos os partidos. Portanto, vir dizer um dia depois da eleição que tal voto continha irregularidade levanta uma suspeita. Por que o fiscal do partido que se viu prejudicado não apontou isso no momento da suposta fraude? Por que chancelou uma ata que continha algo irregular? Afinal, agora não é possível voltar à fase anterior de verificar os votos, porque eles foram destruídos. Temos apenas as atas.

Há um momento para impugnar uma ata, e é na mesa, no fechamento da jornada eleitoral. Só aí. E nesse momento estão todos os outros fiscais. Apontar irregularidades um dia depois não me parece válido. Além de quase impossível de provar. Acaba sendo uma acusação para armar um teatro, apenas. E as supostas evidências apresentadas trazem casos pontuais, o que torna incorreto falar em fraude "sistemática". Para chamar um ato ilícito de sistemático é preciso provar algo mais orgânico e geral, organizado com o fim de manchar a credibilidade da eleição.

E os vídeos que mostram coordenadores do Perú Libre, partido de Castillo, orientando fiscais a agir de modo irregular?

AU - É a mesma coisa. A preparação para os fiscais é feita semanas antes da eleição. Por que apresentar isso como prova de algo no dia seguinte à eleição? Não digo que não possa ter havido atitudes incorretas dos fiscais do Perú Libre nos centros de votação, mas um vídeo de semanas antes da eleição não prova nada. Além disso, a presença de fiscais dos demais partidos nas mesas de votação é uma constante. Por que os fiscais do Força Popular [partido de Keiko] não disseram nada na hora?

Independentemente de quem ganhe a eleição, o país terá um Congresso fragmentado, com Perú Libre, a maior força, e Força Popular, a segunda, longes de uma maioria. Quão instável será esse Parlamento?

AU - Vai depender dos congressistas. É necessário, pela gravidade da situação que o país vive, que eles assumam um pacto de governabilidade desde o começo. Se isso não ocorrer, podemos ver o mesmo filme dos últimos anos, com pedidos de moção de vacância se repetindo. Muitos políticos se desgastaram nesse processo, muitos partidos se dividiram ainda mais. Esperamos que eles não queiram perpetuar esse cenário e atuem de modo mais responsável. Mas é impossível saber.

Apesar da extrema polarização ideológica, Castillo e Keiko são conservadores em relação a direitos civis. O que podemos esperar em relação a avanços nos direitos das mulheres, da comunidade LGBTQ e do reconhecimento das minorias?

AU - Além de serem conservadores, uma coisa muito grave e que cobramos muito foi a apresentação mais clara dos programas de governo. Não tivemos discussão programática, não havia clima, com a correria que foi a eleição, no meio da pandemia e com a fragmentação das candidaturas. Além das surpresas na definição dos primeiros colocados.

Assim, não houve um posicionamento claro de nenhuma das duas partes sobre essas questões, mas é correto afirmar que nenhum dos dois tem esses temas como prioridade. Creio que vai depender dos acordos dentro do Congresso e da pressão das feministas, que não estão contentes com a situação.

Como sairá o presidente interino Francisco Sagasti de sua breve gestão?

AU - Muito fortalecido. Ele se mostrou muito empenhado especialmente no tema das vacinas, ainda que tenhamos começado tarde demais e que o país tenha sofrido muito com a pandemia. Ele fez questão de dar transparência aos números e de buscar as soluções possíveis. E também atuou com correção em relação à eleição. Na verdade, foi o melhor dos quatro que exerceram a Presidência neste último mandato.

RAIO-X

Adriana Urrutia, 33

Cientista política com mestrado em política comparada pelo Institut d'Études Politiques de Paris (Sciences Po), é diretora da Escola Profissional de Ciência Política da Universidade Antonio Ruiz de Montoya, em Lima, e presidente da ONG Transparencia.