RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - "Falam tanto que meu bloco está dando adeus para nunca mais sair. E depois que ele desfilar do seu povo vai se despedir do regresso de não mais voltar. Não deixem não, que o bloco campeão guarde no peito a dor de não cantar. Um bloco a mais é um sonho que se faz. Nos pastoris da vida singular".

O trecho faz parte de uma das melodias mais tocadas no Carnaval pernambucano, a música "Último Regresso", do compositor Getúlio Cavalcanti.

Quando foi tocada no Carnaval de 2020, os foliões pernambucanos não imaginavam que a essência da letra poderia ser verdade por duas vezes na pandemia. O adeus, espera-se que provisório, de diversos blocos se dá por causa da pandemia de Covid-19.

Neste sábado (26), as ruas do Centro do Recife e as ladeiras do Sítio Histórico de Olinda amanheceram com um tom diferente. Em razão da proibição das festas públicas e privadas em Pernambuco por causa da pandemia de Covid-19 no período carnavalesco, os dois locais estão praticamente sem foliões.

O sábado de Zé Pereira seria o dia do desfile do maior bloco de Carnaval do mundo, o Galo de Madrugada, na área central do Recife. Milhares de foliões ocupavam as ruas para celebrar manhã e tarde de alegria no evento ao som de músicas e embalados por trios elétricos, fantasias e orquestras de frevo com grupos de amigos e familiares.

A ponte Duarte Coelho, onde ficaria posicionada a alegoria do bloco, não tem mais as discussões se o Galo ficou mais bonito ou não em relação a edições anteriores. Neste sábado, em alusão ao bloco, apenas uma escultura numa cabeceira da ponte.

Na praça Sérgio Loreto, ponto de concentração do Galo da Madrugada, poucas pessoas fantasiadas e com adereços de circulavam em direção aos seus destinos, como lojas de comércio e repartições.

No Recife Antigo, na mesma imediação, apenas estabelecimentos comerciais estavam abertos pela manhã, sobretudo o informal. A vendedora de bombons, lanches e refrigerantes Lucy Alves afirma que ver o local vazio em pleno sábado de Carnaval traz sentimentos mistos.

"É triste ver isso aqui vazio. É como se uma parte da gente tivesse sido tomada à força, mas sabemos que é importante por causa do coronavírus. Quem sabe em 2023 o Carnaval volta", diz.

Por causa do avanço da variante ômicron, o governo de Pernambuco suspendeu o ponto facultativo do Carnaval. Como consequência da medida, o comércio --um dos setores da economia mais afetados na crise sanitária-- funciona normalmente neste sábado.

A prefeitura do Recife sancionou, na quinta-feira (24), o auxílio municipal para profissionais envolvidos no ciclo carnavalesco, atingidos pela pandemia pelo segundo ano seguido. Ao todo, cerca de R$ 10,5 milhões de recursos serão pagos a cerca de 20 mil pessoas, entre artistas, agremiações, técnicos, artesãos, entre outros.

Atrações e agremiações da cultura popular, que representam coletivos ligados ao evento, terão direito a 100% da subvenção ou cachê (valor unitário) recebido pela participação na programação --limitado ao teto máximo de R$ 60 mil. Na categoria de beneficiários individuais, será pago um valor fixo de R$ 1,2 mil. Para brincantes que participaram de concursos, o valor é de R$ 600. A previsão é começar os pagamentos ainda em março.

Um dos maiores polos de Carnaval do Brasil, Olinda, na região metropolitana do Recife, não tem o tradicional sobe e desce das ladeiras ao som de orquestras neste dia de Carnaval.

As ruas da cidade Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade sequer contam com foliões isolados. A frente da prefeitura de Olinda, onde o ápice do encontro de blocos e bonecos de Olinda acontecia em tempos pré-pandêmicos, está vazia.

"Concordo com a decisão de não ter Carnaval. De que adiantaria ter festa e dias depois haver internações e mortes? Na pandemia, perdi um primo, uma prima e colegas para a Covid", afirma Neomar, 53, vendedor de água mineral e água de coco há quase 30 anos na localidade.

No período de Carnaval antes da pandemia de Covid, Neomar relata que conseguia arrecadar cerca de R$ 9.000 em vendas de bebidas em frente à prefeitura de Olinda. As cifras ajudavam a pagar as contas durante todo o ano.

"Espero que, em 2023, tenhamos um Carnaval sem máscara e com muitos sorrisos".

A prefeitura de Olinda editou um decreto que proíbe a realização de apresentações de música ao vivo e a utilização de equipamentos de som mecânico e eletrônico desde a sexta-feira (25) até as 6h da quinta-feira (03) no Sítio Histórico da cidade.

Nas famosas ladeiras, viaturas da Polícia Militar de Pernambuco atuam para orientar as pessoas a evitar aglomerações e inibir qualquer manifestação carnavalesca em áreas públicas e privadas, como bares e restaurantes.

No Largo do Bonsucesso, o Homem da Meia-Noite não vai abrilhantar o Carnaval na virada do sábado para o domingo. O maior calunga da folia pernambucano foi um dos primeiros a confirmar que não desfilaria em 2022, em convocação à reflexão sobre a responsabilidade na pandemia.

As festas privadas também estão proibidas nos dias de folia por decisão do governo de Pernambuco. A ausência dos eventos fica evidente no acesso a Olinda, onde tradicionais produtoras de festas organizavam os espaços para receber público com ingressos de até R$ 2.000.

Em Olinda, a prefeitura também criou um programa de assistência financeira para artistas, catadores de recicláveis e comerciantes informais. Os pagamentos começam em março.

O benefício será de 35% dos valores dos cachês de artistas e agremiações que têm residência em Olinda e se apresentaram no Carnaval 2020. O valor mínimo é de R$ 1.000 e o teto máximo está orçado em R$ 10 mil.

Nos hotéis, apesar da suspensão do ponto facultativo, a expectativa média de ocupação da rede hoteleira em Pernambuco é de 56%, acima dos 42% de 2021. O Carnaval é a data mais importante para o turismo de Pernambuco.

Recife e Olinda, os dois maiores polos da folia, estão com 60% e 45% de média de previsão de ocupação.