BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, disse neste domingo (21), após o primeiro dia de prova do Enem, que o conteúdo do exame mostra que não houve interferência ideológica nas questões. Mas argumentou que alguns dos itens talvez não entrassem na prova caso ele pudesse decidir sobre isso.

"Se tivesse nossa interferência, hipoteticamente, poderia ser que algumas perguntas nem estivessem ali", disse Ribeiro durante entrevista à imprensa com um balanço sobre a aplicação. Questionado, ele não quis detalhar quais seriam esses itens.

As provas de linguagens e ciências humanas, feitas pelos participantes neste domingo, abordaram questões sobre minorias, como população indígena, população carcerária e desigualdade de gênero. O exame teve questões com a música "Admirável Gado Novo", do cantor Zé Ramalho.

Apesar de insistir que não houve qualquer tipo de pressão para alterar a prova, o ministro já repetiu em várias oportunidades que não permitiria questões consideradas inadequadas e prometeu que olharia a prova pessoalmente --depois, recuou.

A equipe de Ribeiro também tentou criar uma espécie de tribunal ideológico do Enem, com uma comissão de análise das questões, como a Folha revelou. O governo engavetou a iniciativa após má repercussão. Bolsonaro e apoiadores fazem críticas recorrentes ao exame sob o argumento de que há questões com temas de esquerda.

Ribeiro também elogiou o tema da redação, "Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil'. "Mesmo com essa pauta de que a esquerda se diz a grande protetora, foi nosso governo que descobriu a existência desses invisíveis", disse o ministro.

O conteúdo do Enem foi considerado equilibrado por especialistas. No entanto, nenhuma pergunta falou sobre a ditadura militar no país. Desde o início do governo Jair Bolsonaro, o período histórico, defendido pelo presidente, nunca mais apareceu na prova.

Ao comentar notícia sobre interferência na prova, na semana passada, Bolsonaro disse que o Enem começava a ficar com a "cara do governo". O ministro voltou a contradizer o presidente, fazendo interpretação da declaração do presidente.

"Não houve interferência e escolha de perguntas. Quando o presidente fala que esse Enem começa a ter a cara do governo, reafirmo que tem seriedade, transparência", disse o ministro.

Segundo servidores ouvidos pela reportagem, a escassez de questões prontas para serem usadas impediu que houvesse muitas trocas no conteúdo do exame. Itens que haviam sido barrados a partir de uma primeira versão do exame tiveram que ser reintegrados para garantir a robustez da avaliação.

Há receio entre servidores de que o conteúdo final da prova desagrade Bolsonaro e haja mais perseguições no órgão, uma vez que poucos funcionários têm a responsabilidade de fazer a prova.

O Enem 2021 ocorre em meio a denúncias de servidores sobre pressão e assédio para, entre outras coisas, alinhar a prova à ideologia de direita do governo. Houve pedido coletivo de afastamento de cargos de chefia no Inep, órgão do MEC (Ministério da Educação) responsável pela prova, e ações judiciais contra o governo.

Na coletiva de imprensa, Milton Ribeiro afirmou que parlamentares de oposição que pressionaram o MEC e o Inep durante essa crise tinham o objetivo de barrar o Enem. Um dos citados, o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), disse à Folha que a fala do ministro não conversa com a realidade.

"Nossa ação nunca pediu que o Enem não fosse realizado, o ministro distorceu e foi injusto", disse o parlamentar. "Nossas ações são para resguardar o Enem, buscam derrubar o sigilo do processo sobre a entrada de um policial na sala segura do Inep, afastamento do presidente do Inep e pedimos ao TCU [Tribunal de Contas da União] para averiguar os procedimentos do Inep".

O primeiro dia do exame registrou 26% de abstenção entre os 3,1 milhões de inscritos. No próximo domingo, é a vez das provas de matemática e ciências da natureza.