SANTIAGO, CHILE (FOLHAPRESS) - Ativista feminista e filiada ao Partido Comunista, Bárbara Sepúlveda, 36, é um dos membros da Assembleia Constituinte do Chile. Formada em direito na Universidade do Chile, com pós-graduação em estudos de gênero na London School of Economics, ela se divide entre sessões legislativas e reuniões com a população, que promove em parques e praças de diferentes regiões do país.

À Folha Sepúlveda discorreu sobre o impacto que pode ter o resultado do segundo turno presidencial em seu país, marcado para o dia 19 de dezembro, entre o ultradireitista José Antonio Kast e o esquerdista Gabriel Boric.

"O Congresso eleito oferece muitos desafios para a Constituinte, mas mais importante será a definição do presidente, porque vai imprimir vontade política na concretização da nova Carta."

LEIA A ENTREVISTA:

PERGUNTA - A sra. crê que a formação do Congresso pode prejudicar o trabalho da Assembleia Constituinte?

BÁRBARA SEPÚLVEDA - Há coisas importantes a ressaltar sobre o Congresso. Primeiro, o fato de a representatividade das mulheres ter aumentado de 23% para 36%. Ainda não são os 50% que desejamos, mas é um avanço. No Senado, ainda que as forças políticas estejam empatadas, temos a chegada de nomes independentes, como Fabiola Campillai [que ficou cega na repressão aos protestos de 2019] e o retorno do Partido Comunista.

Porém, parece ser um Congresso que não está disposto a colaborar com a Assembleia Constituinte com a agilidade necessária, devido a uma presença grande da direita e de líderes que votaram contra a redação da nova Constituição. Precisamos do Congresso para vários temas, para regulamentar consultas que queremos fazer à população sobre assuntos que não atingiram os dois terços necessários para serem transformados em lei, e para aprovar recursos orçamentários da Constituinte. Também passa pelo Parlamento a organização e a implementação do plebiscito que vai decidir se a Carta entra mesmo em vigor. A boa vontade política será necessária, e não está claro se ela existe no Congresso eleito.

PERGUNTA - Em teoria, o trabalho da Constituinte não será alterado por uma mudança de presidente, mas sabemos que na prática não é assim. Qual é a principal diferença entre Boric e Kast em relação à Constituinte?

BÁRBARA SEPÚLVEDA - Boric é parte desse movimento que levou à Constituinte, e o apoio dele será importantíssimo caso seja eleito. Já Kast, por mais que esteja moderando o discurso por questões eleitorais, não deve mudar sua posição em relação à Assembleia. Ele usou o processo constituinte como inimigo na campanha, lutou para que o "não" ganhasse o plebiscito e insultou a Constituinte. Ele deseja a manutenção da Constituição de 1981.

Isso pode ficar evidente quando tivermos a Carta pronta e ela for levada à votação. A partir do cargo de presidente, Kast poderá fazer campanha pela rejeição, e podemos perder a força que o movimento teve desde 2019. Por enquanto temos as ruas a nosso favor. Kast eleito pode impactar na escolha dos cidadãos, porque terá poder e espaço para atacar a legitimidade do nosso trabalho.

PERGUNTA - Como interpreta o fato de Kast ter ficado em primeiro lugar no primeiro turno?

BÁRBARA SEPÚLVEDA - A surpresa com o resultado tem a ver com o fato de que a nossa leitura política do contexto chileno não é a mesma da população. As pessoas que realizaram os protestos de 2019 eram de um setor muito politizado que está há décadas nessa luta. O outro setor que surgiu com força é um que não estava politizado, mas que sofria os efeitos do neoliberalismo. Percebem que há um Estado que os abandonou, que não há acesso a boa saúde e a boa educação, que estão sofrendo porque estão desempregados, porque sentem que os imigrantes roubam seu trabalho. Para esse setor não politizado, o contexto não se traduz em voto para a esquerda.

Nisso creio que Kast foi muito inteligente, porque soube identificar um setor da população sensível a um discurso que, sabemos, não é certo, mas muito direto em relação à estabilidade econômica e à segurança.

PERGUNTA - Não concorda com a ideia de que o chileno esteja se voltando para a direita?

BÁRBARA SEPÚLVEDA - Não acho que os chilenos que votam em Kast sejam de ultradireita nem que compartilhem tudo o que ele pensa. Eles votam num discurso linha-dura contra a delinquência, porque é um tema de preocupação real. E aí Kast usa o mesmo recurso de [Donald] Trump: aponta para a imigração como a origem de todos os problemas. Enquanto o inimigo que Kast pinta é real, o que a esquerda aponta é mais abstrato, é estrutural, é o sistema econômico, é o capitalismo, é o patriarcado. Não é algo fácil de ver encarnado num tema do cotidiano.

PERGUNTA - Se a Assembleia Constituinte é uma realidade, por que ainda há protestos em Santiago todas as sextas-feiras?

BÁRBARA SEPÚLVEDA - Hoje não se marcha por coisas que tenham a ver com a Constituinte. Marcha-se porque a discordância contra o governo de Sebastián Piñera é enorme, e ele vem dando motivos. A militarização da região de Araucanía é um deles, e há ainda a crise econômica, o impacto da pandemia, a própria figura de um presidente que vai se revelando alguém que conseguiu privilégios por ser presidente. São protestos justificados, cuja solução já não tem a ver com a Constituinte e são dirigidos diretamente a Piñera.

Bárbara Sepúlveda - Perfil

Idade: 36

Local de nascimento: Las Condes (Chile)

Formação: graduada em Direito pela Universidade do Chile, com pós-graduação em Estudos de Gênero pela London School of Economics

Carreira: membro da Assembleia Constituinte (2021), professora de Direito Constitucional pela Universidade Alberto Hurtado, diretora-executiva da Associação de Advogadas Feministas do Chile