SBPC faz eleições em meio a cenário paradoxal da ciência na pandemia
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domingo, 20 de junho de 2021
REINALDO JOSÉ LOPES
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), mais influente órgão a congregar os pesquisadores do país, elege nesta segunda-feira (21) sua nova diretoria enfrentando um cenário paradoxal.
De um lado, o impacto da Covid-19 trouxe a pesquisa científica para o centro do debate público no Brasil e no mundo. De outro, porém, esse bônus de interesse e exposição em sido acompanhado pelo ônus das fake news e teorias da conspiração. Ao adotar uma postura negacionista e, ao mesmo tempo, agravar um cenário de falta de verbas para a pesquisa nacional que já dura anos, o governo federal e seus apoiadores mais ferrenhos colocaram a maior parte dos cientistas brasileiros em sua lista de inimigos.
A eleição na SBPC, que tem se desenrolado em formato online desde o fim de maio, está sendo disputada por duas chapas. Uma delas é encabeçada por Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política na USP e ex-ministro da Educação, e a outra por Carlos Alexandre Netto, médico de formação, professor de bioquímica da UFRGS e ex-reitor da universidade federal gaúcha.
As bandeiras defendidas por ambos os candidatos à presidência da SBPC têm muitas semelhanças, a começar pela luta para recompor o orçamento federal dedicado à ciência e tecnologia, demanda que mais tem mobilizado a comunidade científica nos últimos anos de vacas magras. As duas chapas propõem mobilizar o considerável prestígio do órgão em defesa das liberdades democráticas ameaçadas pelo bolsonarismo e da inclusão social, bem como intensificar as iniciativas de popularização da ciência nas quais a SBPC é pioneira.
"Não estou vendo, nessa campanha, um conflito entre as chapas", disse Janine Ribeiro à Folha de S.Paulo. "Eu diria que o nosso projeto dá mais ênfase ao pós-tragédia, ao pós-horror", afirma o professor da USP, referindo-se aos efeitos da Covid-19 no Brasil. "A similaridade não é surpresa. Nós dois somos conselheiros da SBPC, com uma história de participação na sociedade e carreira acadêmica consolidada", observa Netto, para quem "o Brasil precisa ser reconstruído" após a gestão desastrosa da pandemia.
Para ambos os candidatos, a possibilidade de que o país enfrente um período lento de recuperação econômica nos próximos anos, o que significaria pouco dinheiro para investimento em pesquisa, não é motivo para que algumas áreas da ciência, consideradas prioritárias ou estratégicas, recebam mais fomento do que outras.
"Acho que temos de apostar em todas as áreas. Mas isso não significa que não possamos ter protagonismo mais claro em algumas, como já se vê no caso do setor agrário ou de biodiversidade", pondera Janine Ribeiro. "Em vez de considerar alguns setores mais importantes do que outros, um caminho interessante seria organizar a colaboração interdisciplinar em torno de grandes problemas nacionais", argumenta Netto.
As tentativas de reverter cortes de verbas e bolsas para estudantes de pós-graduação durante os primeiros anos do governo Bolsonaro ficaram marcadas por ataques do presidente da República, que costuma repetir, erroneamente, que as universidades públicas brasileiras não produzem pesquisa relevante (na verdade, só uma parcela muito pequena da pesquisa nacional vem de instituições privadas).
"No orçamento, no discurso e nas decisões executivas, é um governo antieducação e anticiência. Houve até o retorno da censura de dados no caso do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, responsável pelo monitoramento do desmate na Amazônia]", diz Netto. "De certa maneira, foi até humilhante ter de fazer o máximo esforço para que os pós-graduandos não ficassem sem as bolsas das quais dependem para sobreviver. O papel da SBPC tem de ser apartidário e voltado para o diálogo, independentemente do governo, mas é difícil imaginar as consequências de um segundo mandato de Bolsonaro."
Para Janine Ribeiro, a pobreza do debate político atual indica que é preciso investir pesadamente no letramento científico da população, compreendido de forma ampla -incluindo não só as ciências naturais como também conhecimentos sólidos das áreas de humanidades. "É só isso o que vai impedir que as pessoas fiquem chamando de 'comunista' quem não tem nada de comunista, como tem acontecido nos últimos anos, ou que tenhamos tantos supostos adeptos do liberalismo que de liberais não têm quase nada", diz ele.

