SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Não faz tanto tempo assim que personagens fora do padrão eram relegados a papéis secundários -antes disso, nem sequer existiam na teledramaturgia, eram simplesmente ignorados. A série "Special", cuja segunda temporada estreia nesta quinta-feira (20) na Netflix, merece a atenção justamente por se contrapor a isso.

Com um protagonista gay e com paralisia cerebral, ela trata com bom humor e leveza as dores e delícias de se ser quem é. "Esse personagem nunca havia sido incluído, quanto mais ser o principal", diz o criador Ryan O'Connell, que na série vive o personagem Ryan Hayes, em entrevista ao F5.

"Normalmente, quando você tinha um personagem gay era como o melhor amigo de alguém", lembra. "Quando você acrescenta a isso a paralisia cerebral, vira algo gigante. É realmente importante que Hollywood avance para mostrar mais a realidade."

A paralisia cerebral é um termo que designa vários distúrbios no cérebro e no sistema nervoso e é a principal causa de deficiência em crianças. Acredita-se que ela se deva a lesões no cérebro durante o desenvolvimento do bebê no útero ou por problemas no nascimento.

O'Connell divide as duas características principais do personagem, mas diz que os dois também têm diferenças. "Para mim é como se Ryan [Hayes] fosse uma versão cômica de mim", compara o ator, que sintoma leve da doença. "Não fiquei tanto tempo morando com meus pais, saí de casa com 18 anos para ir à faculdade."

"O personagem fica mais autobiográfico quando lida com a vontade de se abrir para o mundo", explica. "Também passei por muitas das situações e circunstâncias em que ele se mete por ser uma pessoa com deficiência na sociedade."

Se na primeira temporada o personagem desabrocha após revelar ser portador de paralisia (até então ele dizia que as limitações haviam sido causadas por um acidente), na nova leva de episódios ele se joga de vez no mundo dos relacionamentos amorosos. Com direito a muitos encontros e desencontros.

"Vemos ele vivendo, rindo e amando", adianta O'Connell. "Parece que ele está mais resolvido, mas rapidamente vemos que não é bem assim."

Alguns dos temas que aparecem na segunda temporada são os relacionamentos abertos e a objetificação das pessoas com deficiência. "Era uma forma interessante de agitar as coisas para o Ryan", diz o criador.

"Ele começa como alguém que fica grato por qualquer migalha que lhe deem, mas ao longo dos episódios percebe que quer ser o prato principal", detalha. "Foi uma forma de mostrar o crescimento do personagem."

Antes de "Special", O'Connell nunca havia trabalhado como ator. Ele era roteirista, tendo feito diálogos para séries como "Will e Grace" e "Awkward", mas aceitou o desafio e gostou tanto que pretende continuar atuando quando os papéis certos aparecerem.

Na série, que não terá uma terceira temporada, ele acumulou as funções. Porém, comemora que pôde contratar uma equipe para escrever com ele a segunda temporada. "Não ter que fazer absolutamente tudo foi ótimo", conta. "Tive que encontrar o ponto de equilíbrio entre tomar as decisões e escutar o que todos tinham a dizer."

Ele surpreende ao falar sobre o que foi mais complicado na estreia diante das câmeras. "O mais difícil nunca é o que você acha que será complexo para um ator", diz. "Para mim são sempre as pequenas coisas, como quando você tem que fingir que estar dormindo e, de repente, acordar. Eu fico: 'Ai, meu Deus, como vou fazer isso?' (risos)."

Além disso, a série tem cenas bastante ousadas de sexo. "Não diria que são as minhas favoritas", afirma. "É como uma imersão completa na terapia (risos), mas já me acostumei a essa situação esquisita de estar no set de filmagens com uma meia cobrindo as partes íntimas. No final das contas, é só o corpo humano, todo mundo tem um e ninguém liga."

Só que muita gente tem gostado do que vê. O ator e roteirista contou que, desde a estreia da série em 2019, passou a receber muitas mensagens nas redes sociais de "gays brasileiros gostosos" pedindo que ele visite o país, sem falar em outras solicitações mais picantes.

"Me deem tempo, gente, eu quero muito ir ao Brasil", diz. "Tem sido uma experiência validadora. Quando a sua existência tem sido amplamente apagada pela sociedade, receber essa atenção é extremamente legitimador. Quando aparece um estranho no Instagram dizendo que quer sentar na minha cara isso é ótimo (risos)."