SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ator Sérgio Mamberti passou um dia inteiro contando histórias da produtora e atriz Ruth Escobar para o jornalista e pesquisador teatral Alvaro Machado. Uma delas está no coração de uma das narrativas centrais de "[...] Metade É Verdade - Ruth Escobar", biografia que chega nesta semana às livrarias.

Conta como, durante uma sessão de "O Balcão" na sexta-feira, dia 16 de abril de 1971, o empresário Pery Igel, presidente do grupo petroquímico Ultra, desceu correndo as escadas do teatro Ruth Escobar, escoltado por seguranças com armas empunhadas.

Entrou no camarim da atriz e questionou, ecoando pelos bastidores, "Ruth, quem mandou matar o Boilesen?" "Você tem que me dizer!"

O principal executivo do grupo, Henning Boilesen, "espectador voluntário de terríveis sessões de tortura da Oban", na ditadura militar, havia sido morto no dia anterior por membros dos grupos MRT, o Movimento Revolucionário Tiradentes, e ALN, a Aliança Libertadora Nacional.

"Eles queriam a mim, e não o Boilesen", insistia Igel, em voz alta. "Você sabe! Você tem de saber, você tem de me dizer!"

Mamberti, no figurino do juiz, que representava na peça, correu aos seguranças na porta. "Com licença, com licença. Agora ela precisa entrar em cena!" Não era verdade, mas a tirou de lá.

Igel era amigo e, segundo declaração de Escobar relatada por outro ator, Izaías Almada, havia sido seu amante. Foi a explicação que ela deu para ter conseguido libertar diversos artistas presos.

Os dois haviam se aproximado pouco antes do golpe de 1964, quando ela criou um palco volante para apresentações por São Paulo, inspirado em experiências de cultura popular de organizações de esquerda do Brasil e da Europa.

Igel foi um dos financiadores, mas sete anos depois estava do outro lado. "Ele realmente estava nas listas, para ser morto pelas duas organizações guerrilheiras", diz Machado, o biógrafo, em entrevista.

Na frase de Mamberti, sobre Ruth, "sua permeabilidade com o poder era impressionante". Esse é um dos aspectos que resumem sua trajetória, ao longo das 624 páginas e 347 imagens da biografia publicada pela Edições Sesc, com o preço de referência de R$ 140.

Estão lá, em relatos carregados de informação, minuto a minuto, passagens históricas do teatro brasileiro, como nessa sua colaboração tempestuosa e histórica com o diretor argentino Victor García, de "O Balcão" e "Cemitério de Automóveis", abordados extensivamente.

Também com Zé Celso, de quem foi produtora na temporada paulista de "Roda Viva", espetáculo atacado em 1967 por integrantes do CCC, o Comando de Caça aos Comunistas, no mesmo teatro Ruth Escobar.

Sua permeabilidade com presidentes vinha desde Juscelino Kubitschek, nos anos 1950.

Então jornalista, a adolescente de origem portuguesa viajou o mundo, sobretudo possessões de Portugal, entrevistando celebridades e líderes políticos, patrocinada pela cervejaria Caracu. No Egito, Nasser escreveu uma carta para ela entregar a JK, convidando o brasileiro a visitar o Cairo -o que ele fez.

A biografia dá nome a outro presidente brasileiro que, em sua autobiografia, "Maria Ruth" -lançada pela editora Guanabara, em 1987-, ela dizia ter tentado a seduzir num hotel. Também ao ministro português com quem teria se relacionado longamente.

Com a redemocratização, Ruth Escobar foi presidente do Conselho dos Direitos da Mulher, em Brasília, então cargo ministerial, que culminou no seu engajamento na luta feminista ao lado de outras atrizes, de Norma Bengell a Regina Duarte.

Na década seguinte, apoiou Fernando Collor e ganhou um cargo de assessora cultural do governo brasileiro na Califórnia, "pago em US$ 7.500", diz Machado.

"Depois FHC, muito próxima de Ruth Cardoso e do Fernando", acrescenta ele, em entrevista. "Porque queria ser ministra da Cultura, mas ele escolheu Francisco Weffort e aí deu aquele estremecimento na relação."

O livro traz uma foto dela também com Lula, convidado para um seminário sobre cultura em seu teatro. Mas o destaque é para uma frase famosa com que se referiu ao ex-metalúrgico. Foi num almoço para mulheres em sua casa no Pacaembu, comparando Lula e FHC.

"Nestas eleições temos duas opções", disse ela, "votar em Jean-Paul Sartre ou escolher um encanador". Diante do "vulto tomado pelo caso", como descreve a biografia, ela publicou depois uma "Carta aberta ao Lula", neste jornal, dizendo ter sido uma "frase infeliz e boba".

As histórias são tantas e algumas tão rocambolescas que justificam o título irônico do livro, tirado de outra frase, que ela usava repetidamente para novos colaboradores seus. "Sabe todas aquelas histórias que você já ouviu sobre mim? Metade é verdade."

As histórias eram também ou principalmente sobre não pagar artistas e sobre o destino dado a recursos governamentais. Em 1990, no "pior ataque público que já recebera", como descreve a biografia, o colunista Paulo Francis escreveu sobre parte delas, neste jornal.

O livro aborda algumas das histórias, caso da "Ópera dos Três Vinténs" dirigida pelo italiano Alberto D'Aversa em meados dos anos 1960.

"As dificuldades para honrar salários e dívidas junto a fornecedores consolidaram a fama de má pagadora", escreve Machado. Lembra, com declarações de um colaborador dela à época, que "além de processos trabalhistas havia rumores sobre execução física da produtora em estilo mafioso".

Mas não é esse o foco da biografia. "Eu não fazia ideia de como é interminável o trabalho dela", diz Machado, autor do livro.

[...] METADE É VERDADE - RUTH ESCOBAR

Quando: Disponível

Preço: R$ 140 (62 págs.)

Autor: Alvaro Machado

Editora: Sesc São Paulo