WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - No final de 2021, a jornalista russa Taisia Bekbulatova decidiu deixar seu país. O governo de Vladimir Putin a tinha declarado uma "agente estrangeira" por causa de suas reportagens críticas --apesar de ela ter nascido e crescido na Rússia. Aos 31 anos, a fundadora do site independente Holod então se mudou para a vizinha Geórgia e continuou seu trabalho de lá.

Bekbulatova não sabia, mas atrás delas viria uma multidão. Ao mesmo tempo que invadia a Ucrânia, a Rússia estava apertando o cerco contra a imprensa livre de seu país. Em busca de segurança, boa parte da mídia independente deixou o território. Segundo o CPJ (Comitê para a Proteção dos Jornalistas, baseado em Nova York) foram mais de 150 nas primeiras semanas de guerra.

A imprensa já vivia no seu limite na Rússia, após anos de censura e ameaças a jornalistas --vide a própria saída de Bekbulatova, antes de a guerra estourar. Mas a situação se deteriorou rapidamente desde a aprovação, no dia 4, de uma lei punindo o que o governo de Putin chama de "notícias falsas" sobre a invasão. Isto é, informações de que discorde.

O Kremlin também não quer que jornalistas chamem a guerra de guerra: o termo usado pela mídia estatal é operação militar especial. As penas podem chegar a 15 anos de prisão para quem "difamar" as Forças Armadas.

Como Bekbulatova, outros repórteres russos estão se instalando temporariamente em ex-repúblicas soviéticas. Além da Geórgia, eles têm escolhido lugares como Armênia, Lituânia e Letônia. O êxodo não inclui apenas jornalistas, mas também intelectuais, artistas e dissidentes.

Com a piora do cenário, Bekbulatova retirou sua equipe de cerca de 15 pessoas da Rússia. Eles estão espalhados agora em quatro lugares e tentam coordenar sua cobertura para seguir trabalhando. A meta é conseguir reunir todo mundo em um mesmo país e montar uma nova Redação.

"Não queremos parar nossa atividade agora porque isso é muito importante para o país. Queremos combater a propaganda do governo. Se não fosse pela mídia independente, a população russa só teria acesso às notícias publicadas pelos veículos de imprensa do governo."

Estar fora da Rússia, porém, não resolve todos os problemas. Moscou tem bloqueado sites de notícias críticos e, para acessá-los, é necessário usar ferramentas como o VPN --que de certo modo permite que um usuário "finja" estar em outro lugar e, assim, burle as restrições de acesso.

Não é todo mundo que consegue navegar por esses caminhos extraoficiais, no entanto. Por isso, a Rússia vive o que o CPJ recentemente chamou de "idade das trevas da informação". O Kremlin trava uma disputa com o que considera agentes estrangeiros suspeitos, como todas as big techs. A guerra piorou as coisas.

Outra questão do conflito é que sanções econômicas impostas por países como os Estados Unidos, em tese para retaliar o governo, têm impossibilitado a vida de jornalistas e dissidentes no exterior. "Essas sanções deveriam atingir Putin e seus amigos, mas estão tornando a nossa vida difícil. Não podemos retirar o dinheiro do banco, usar nossos cartões de crédito. Não somos ricos. Isso é um problema enorme."

Organizações estrangeiras têm tentado ajudar nesse sentido. A RSF (Repórteres Sem Fronteiras), por exemplo, criou um endereço alternativo --conhecido como "espelho", no jargão da internet-- para as pessoas na Rússia acessarem o site independente Meduza, que foi bloqueado pelo Kremlin.

Os funcionários do Meduza estão hoje na Letônia, após terem sido classificados como "agentes estrangeiros". A Rússia estava no 150º lugar, entre 180 países, no ranking de liberdade de imprensa da RSF de 2021 --o Brasil era o 111º.

Fugir do país e se instalar em outro lugar, é claro, não é viável para todo o mundo. Diversos veículos independentes --como a rádio histórica Eco de Moscou-- acabaram fechando.

"A TV russa está dizendo para as pessoas que não há uma guerra. Que é uma operação especial contra guerreiros nazistas na Ucrânia e que os ucranianos estão contentes em receber os soldados russos", diz Bekbulatova. "Se você mora em um vilarejo no interior, pode facilmente ser enganado pela propaganda oficial."

Jornalistas tentam reconstruir suas vidas no exílio. O processo inclui obstáculos logísticos, financeiros e emocionais, mas há também a preocupação constante quanto à segurança --sua e dos familiares que seguem na Rússia.

O jornal Folha de S.Paulo conversou com um repórter do Mediazona, um dos veículos independentes mais influentes do país. O jornalista pediu que seu nome não fosse publicado para evitar represálias.

O Mediazona tem cerca de 30 repórteres, e quase todos deixaram o país nas últimas semanas. Um deles estava em viagem na Armênia quando a guerra começou --e ficou com medo de voltar. No passado, explica, havia uma espécie de fronteira entre governo e imprensa, um limite que o Kremlin não ousava cruzar. A sensação agora, no entanto, é de que tudo é possível, inclusive a prisão e a morte.

O repórter do Mediazona conta que tem sido difícil encontrar apartamentos para alugar na Armênia. O país não esperava a onda de refugiados que chegaria de repente --jornalistas e também outros jovens intelectuais que temem por seu futuro em uma Rússia mais autoritária. Mas o repórter faz questão de não reclamar e insiste durante a entrevista que seus problemas são insignificantes se comparados com o que os ucranianos vivem hoje, sob a invasão da Rússia.

Ele diz que poderia ter ficado no nosso país e aceitado as regras do jogo, mas que isso seria insuportável. Segundo ele, mesmo historiadores não vão saber o que aconteceu se a imprensa deixar de trabalhar.