Rússia minimiza prisão de namorada de blogueiro e eleva influência sobre Belarus
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terça-feira, 25 de maio de 2021
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - A estudante russa Sofia Sapega, 23, namorada do blogueiro Roman Protassevich, também foi presa pela ditadura da Belarus, embora não haja --ainda-- acusações contra ela.
Sapega viajava com o jornalista no avião da Ryanair que ia da Grécia à Lituânia, onde eles moram, no último domingo. Com manobras dignas de filme de espionagem, o voo foi desviado pelo ditador Aleksandr Lukachenko para o aeroporto de Minsk, onde o casal foi detido.
O jornalista, cofundador do Nexta --canal de aplicativo crucial durante os protestos contra Lukachenko após a eleição de 2020--, era o alvo da manobra, chamada de "pirataria de Estado" e "sequestro irresponsável" por governos dos Estados Unidos, do Reino Unido e da União Europeia.
Ele é acusado de perturbar a ordem na Belarus e promover manifestações ilegais, e pode ser condenado a 15 anos de cadeia. O blogueiro de 26 anos afirmou temer pela sua vida --quando o piloto avisou que faria um pouso em Minsk, ele apelou à tripulação: "Não façam isso. Eles vão me matar. Sou refugiado".
Já sobre Sapega há apenas "suspeitas de participação em crimes em agosto e setembro de 2020" --meses de protestos diários contra Aleksandr Lukachenko. Nessa época, contudo, ela já havia deixado a Belarus, segundo sua mãe. "Ela foi para a Lituânia por volta de 11 ou 12 de agosto. Basta olhar seu passaporte", afirmou Anna Dudich à mídia russa.
Aluna da Universidade Europeia de Humanidades (EHU, na sigla em inglês), em Vilnius, a estudante pretendia defender uma dissertação de mestrado no programa de direito internacional e da União Europeia. Em comunicado pedindo sua libertação, a escola afirmou que Sapega "teve resultados acadêmicos e uma reputação impecáveis na comunidade universitária".
Na Belarus, ela está em detenção provisória, por 72 horas. Em tese, se não houver acusação formal, ela deveria ser liberada após esse período. Segundo a mídia belarussa, a estudante está na prisão de Akrestina, palco de espancamentos e torturas após o início das manifestações contra a ditadura.
Ainda assim, não foi o governo russo, mas os ocidentais que protestaram e pediram sua libertação imediata. Para a Rússia, o assunto não é urgente, afirmou seu ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov. "Devemos examinar a questão, mas sem pressa", disse o chanceler russo em entrevista coletiva em Sochi.
Alguns analistas acreditam que a Rússia está não apenas minimizando o incidente como pode tê-lo encorajado, com o objetivo de aumentar sua influência sobre Lukachenko, cada vez mais isolado pelos países ocidentais.
Essa é a avaliação do professor da Universidade Yale (EUA) Timothy Snyder, historiador e autor de vários livros sobre a região. Snyder afirma que o governo russo quer "dar um abraço cada vez mais forte" no país vizinho, no qual tem interesses econômicos e geopolíticos. "A jogada da Rússia seria que as previsíveis sanções da UE contra a Belarus aproximam Minsk de Moscou", escreveu.
Na última década, Lukachenko vinha resistindo a tentativas do presidente Vladimir Putin de aumentar a integração entre os dois países, prevista por um acordo de Estado Único. Para alguns analistas, a crescente impopularidade do ditador da Belarus dentro e fora de seu país podem deixá-lo cada vez mais dependente do socorro russo --e à mercê de exigências de Putin.
Uma participação da Rússia na manobra aérea de domingo foi aventada também pelo governo britânico e por pesquisadores alemães --segundo eles, os dois países possuem não só acordos de cooperação militar e de serviços secretos como também um sistema de defesa aérea integrado, o que impediria o desvio do voo da Ryanair sem o conhecimento do governo russo.
Milan Nic, analista sênior do Conselho Alemão de Relações Exteriores, afirma que Putin pode estar "usando a Belarus como campo de teste para métodos de ação desonestos". As suspeitas de participação russa foram chamadas de "russofobia obsessiva" por Dmitri Peskov, porta-voz do presidente: "A Rússia leva a culpa por absolutamente tudo".
Uma participação russa no episódio de domingo é vista como improvável também por Ben Aris, editor do BNE IntelliNews --serviço de informação e análise sobre a Europa central e oriental. Segundo ele, a prioridade absoluta de Putin é a cúpula com o presidente Joe Biden, prevista para junho na Suíça, onde o presidente russo espera dissolver tensões de anos com os EUA.
"Eles não vão arriscar essa chance ameaçando abater outro jato comercial cheio de civis inocentes --cidadãos da UE, ainda por cima-- para que um ditador belarusso possa matar sua sede de vingança contra um blogueiro de 26 anos", afirma.
Igor Lebedka, especialista belarusso em segurança militar e informação, diz que Lukachenko, ao ignorar todos os limites para se manter no poder, está se tornando uma figura cada vez mais tóxica para Putin. Segundo ele, os russos já estão se movendo para mostrar --principalmente à União Europeia-- que, se o ditador cair, eles preencherão o vácuo.
Já para os analistas poloneses Piotr Zochowski e Kamil Klysinski, do Centro de Estudos Orientais, baseado em Varsóvia, os cálculos não são tão simples. Putin tem de fato interesses em uma Belarus cada vez mais isolada pelo ocidente, mas também teme uma "revolução colorida" que apeie Lukachenko do poder de forma descontrolada, porque isso fomentar opositores também na Rússia.
"Isso sugere que o Kremlin está interessado em continuar apoiando o regime na Belarus, desde que efetivamente pacifique quaisquer manifestações de protesto social", escrevem os especialistas. Ao mesmo tempo, Putin tem fortalecido políticos belarussos de sua confiança, que chefiariam o país num eventual queda de Lukachenko.

