SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "A rua comercial está morta" foi uma frase dita por Chris Skinner, um famoso comentarista do mercado financeiro mundial, logo os primeiros meses da pandemia do novo coronavírus.

De fato muitas lojas físicas fecharam as portas devido à pandemia, enquanto as vendas pela internet explodiram.

Muitas lojas instaladas em ruas comerciais temáticas da cidade de São Paulo também fecharam as portas. Entretanto, muitas sobreviveram e começam a tomar fôlego novamente.

"Acredito que, por serem mais especializadas, muitas das lojas já possuíam clientela fixa e, apesar das quedas expressivas de faturamento durante a pandemia, sobreviveram", afirma o coordenador do Instituto de Finanças da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), Ahmed Sameeer El Khatib.

Um levantamento feito em 2011 pela SPTuris (empresa de turismo da cidade de São Paulo) e que nunca foi atualizado apontou a existência de 59 endereços especializados.

Na lista estão desde a rua mais famosa de todas, a 25 de Março, passando por locais tradicionais, como a rua das noivas, a São Caetano, na Luz, à Galvão Bueno, na Liberdade, que vende produtos orientais, e ainda as menos badaladas, tais como a Gasômetro (madeiras e ferragens) e a Brigadeiro Tobias, que reúne artigos para pesca.

Segundo o economista Altamiro Carvalho, assessor econômico da Fecomercio, os endereços temáticos possuem alguns diferenciais. "Eles têm uma diversidade concentrada e notoriedade muito grande, o que proporciona facilidade para o consumidor achar o produto que quer. Com isso, consegue comparar mais facilmente os preços", diz.

De acordo com especialistas, a tendência é a que cada vez mais surjam novas ruas especializadas.

"Pode ser que surja uma rua que venha a ter só cosméticos, outra de tratamento estético, e por aí vai", afirma Caldana.

"Isso é um fenômeno relativamente comum, na medida em que dentro das ruas especializadas você tem os segmentos daquela especialidade", afirma o arquiteto e urbanista Valter Caldana, coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas da FAU da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como exemplo está o Brás, que reúne várias ruas especializadas próximas umas das outras, tais como a Oriente, com lojas que vencem enxovais, a Maria Marcolina, que dispõe de vários estabelecimentos próximos uns dos outros que vendem itens de cama, mesa e banho, e a Joli, de tecidos.

ESSÊNCIAS

Há 23 anos, Andreza Zuchini, 44, era vendedora em uma loja de essências no centro de São Paulo. Hoje é dona de quatro lojas que vendem essências e emprega mais de 50 pessoas.

"Comecei do zero e, como faço até hoje, trabalho todo dia de segunda a sábado até as 23h", diz, em uma das lojas, a Fonte das Essências.

O engenheiro metalúrgico Atílio Alemi, 68, fornecedor de produtos para lojas da região, afirma que histórias como a de Andreza não são tão raras. "Nessas lojas, é possível você comprar tudo de que precisa para fazer, por exemplo, um perfume e vender. Muita gente sobreviveu na pandemia e ainda sobrevive assim", diz.

OPORTUNIDADES

As ruas temáticas de comércio reúnem um perfil diverso de clientes. Existem aqueles que só querem comprar poucos itens de consumo, outros que são lojistas e compram no atacado e ainda aqueles que querem empreender.

É o caso da costureira Edna Aparecida dos Santos, 63, que foi até uma loja na rua Silveira Martins em busca de produtos para produzir aromatizadores. Sua ideia é confeccionar bonecas com aromatizadores acoplados.

"Minha sobrinha já faz esses aromatizadores e eu resolvi colocar nas bonecas. Ela vai me ajudar a colocar na internet e vamos ver no que dá. É um dinheirinho a mais que entra, né?"

MUDANÇA

Anteriormente conhecida por ser a "rua dos chapéus" no centro da cidade de São Paulo, a Seminário abriga agora ao menos 20 lojas de instrumentos musicais.

Quem viveu de perto essa transformação foi o empresário José Miguel Jorge, de 85 anos, 69 deles na Chapelaria Ópera.

Ele conta com orgulho que começou a trabalhar aos 16 anos de idade e só vai parar quando morrer, em suas próprias palavras.

Questionado sobre qual é a sua clientela, ele ironiza. "São clientes fiéis, quer dizer, menos os que já foram para outro planeta, outro lugar", afirma.

Nos áureos tempos, ele conta que chegou a manter três lojas, e agora cuida da unidade que restou.

Entre os clientes ilustres, ele cita nomes como Genival Lacerda e Waldick Soriano, ambos já mortos.

"Na verdade, eu nunca patrocinei eles. Vinham aqui, eu dava um chapéu e daí eles usavam nos programas de auditório a que iam", explica.

Hoje em dia parte dos clientes é composta por adeptos de música sertaneja e country.

Segundo conta, a instalação de lojas de vendas de instrumentos musicais ocorreu nos últimos 20 anos e vem se intensificando recentemente.

"É normal até essa mudança. Uns vem, outros vão", diz.

Um dos que vieram foi o o empresário Daniel Meana, 44, da Shalom Musical. Ele conta que a rua do Seminário se tornou um contraponto à Teodoro Sampaio, em Pinheiros (zona oeste de São Paulo).

"Temos aqui opções diferentes, com produtos mais em conta", explica.

Segundo o economista Marcel Solimeo, da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), mudanças tais como a observada na rua do Seminário não são tão incomuns. "Depende do fluxo, tendências e também natureza da atividade", diz.

PESQUISA

Uma grande pesquisa que vem sendo realizada há três anos mostrará quais são os locais que oferecem melhores estruturas para que nos consumidores façam suas compras. Por meio dela será possível saber em detalhes a estrutura de polo comercial de rua da cidade de São Paulo e saber, por exemplo, se é melhor fazer compras em um ou em outro lugar.

O resultado dessa pesquisa, a ser conhecido em junho de 2022, mostrará quais têm fácil acesso a transporte público, calçadas, estacionamento de carro e bicicleta, melhor arborização, acessibilidade e se possui bancos ou lixeiras, por exemplo.

"Além de sabermos quais são as qualidades urbanas, descobriremos de que determinado lugar precisa melhorar para receber as pessoas", afirma o arquiteto e urbanista Valter Caldana, coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O projeto está sendo feito em parceria com a Associação Comercial de São Paulo.

O objetivo é criar um índice, chamado temporariamente de "índice de urbanidade" que levará em conta 90 variáveis diferentes.

CUIDADOS

Comprar em uma rua temática de comércio demanda cuidados com diversos fatores e a dica é se planejar antes de sair de casa.

O economista Altamiro Carvalho, assessor econômico da Fecomercio, afirma que o primeiro deles é a questão climática. "Seja com muita chuva ou com muito sol, é preciso se preparar", afirma.

Outro fator é onde estacionar, já que muitas dessas ruas temáticas de comércio estão localizadas na região central da cidade de São Paulo e não dispõe de vagas suficientes. A dica é optar pelo transporte público sempre que possível.

Tomar cuidado ao comer alimentos crus vendidos nas ruas, se hidratar e calçar roupas leves e calçados confortáveis também deve estar na lista dos clientes.

Outro alerta importante é em relação à segurança, sobretudo em pontos mais movimentados, tais como a região do Brás e 25 de Março. "É um problema geral, mesmo porque há muita gente", afirma Carvalho.

INFRAESTRUTURA

Lixo, pedras soltas, buracos e até falta de iluminação adequada. Assim como várias vias da cidade de São Paulo, muitas ruas especializadas passam por esses mesmos problemas, mesmo recebendo milhares de clientes todos os dias.

Alguns até se machucam, como foi o caso da cerimonialista Marta Pereira, 52, que luxou o pé após tropeçar em um buraco na caçada da rua José Paulino, no Brás (centro).

"Estava precisando de uma calça nova e estava olhando as vitrines. Quem vai ficar olhando para o chão enquanto faz compras? Resultado é que tive de faltar dois dias ao trabalho", disse.

Além das más condições das calçadas, a iluminação também é um problema, segundo relato de comerciantes da rua do Seminário, no centro histórico de São Paulo.

"É chegar o final da tarde e já ficar de olho. A luz da rua não acende de jeito nenhum", afirmou o empresário Daniel Meana, 44, da Shalom Musical.

A questão do lixo, muitas vezes revirado por pessoas em situação de rua, também é uma reclamação recorrente entre os comerciantes de vários pontos da região central.

O economista Altamiro Carvalho, assessor econômico da Fecomercio, afirma que a cobrança para que o poder público, sobretudo na esfera municipal, efetue melhorias é uma demanda antiga. "Aumentar essa demanda externa, principalmente na questão da acessibilidade, significa aumentar o fluxo no comércio, e, consequentemente, gerar mais impostos à cidade", afirma.

RESPOSTA

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que vem realizando investimentos em todas as regiões da cidade, o que inclui reparos e reformas em calçadas e troca da iluminação pública, sobretudo em locais de grande fluxo de pessoas e vias comerciais.

Segundo a prefeitura, foram investidos R$ 140 milhões na requalificação de 1.651.813 m² de calçadas, e remodelados e ampliados 556 mil pontos de luz por LED em toda a cidade.

"Os reparos impactam positivamente a população em toda a cidade, diminuindo a desigualdade", informa. Ainda segundo a prefeitura, inicialmente foram priorizadas vias com alto índice de criminalidade e o entorno de equipamentos públicos tais como escolas e hospitais.