Roxane Gay defende as próprias contradições no livro 'Má Feminista'
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domingo, 12 de dezembro de 2021
STEPHANIE BORGES
SÃO PAULO, SP FOLHAPRESS) - A cultura pop, a internet e o cenário político passaram por tantas mudanças nos últimos anos que livros centrados na crítica cultural a partir de livros, filmes e séries de TV correm o risco de se tornarem datados rapidamente. Não é o caso de "Má Feminista", de Roxane Gay, publicado em 2014, que volta às livrarias em uma nova edição da Globo Livros.
A mistura de senso de humor, memórias e referências do pensamento feminista faz com que os textos de Gay continuem instigando leitoras e leitores, embora tenham sido escritos antes de movimentos como o Black Lives Matters e o Me Too influenciarem o debate público sobre racismo, violência policial e assédio sexual.
Um dos pontos fortes de "Má Feminista" é a argumentação da autora sobre o seu direito de ser imperfeita. Embora a afirmação pareça óbvia, Gay observa com perspicácia como mulheres, especialmente as que se identificam como feministas, lidam com expectativas e cobranças excessivas para se mostrarem sempre coerentes e exemplares, de modo que toda vez que uma de nós comete um erro, todo um movimento por igualdade e justiça social é desqualificado.
Gay defende as próprias contradições, como gostar de cor-de-rosa e ouvir raps que se referem a mulheres em termos ofensivos, enquanto argumenta em favor da igualdade salarial entre homens e mulheres. Assim, a escritora deixa claro para os leitores que seres humanos são complexos e que os interesses e gostos individuais das pessoas não a impedem de lutar por uma sociedade menos violenta e preconceituosa.
Assim, os ensaios de "Má Feminista" reúnem análises de reality shows e de best sellers como "Jogos Vorazes" e "Cinquenta Tons de Cinza", misturado com as memórias da autora, referências a pensadoras como Judith Butler e Hélène Cixous e pitadas de humor.
Como uma apreciadora da cultura pop, Gay critica programas de TV populares e filmes com inteligência. A autora não julga esses produtos por características sensacionalistas ou pelo uso de clichês, mas questiona até que ponto a indústria do entretenimento reforça estereótipos e como a TV e o cinema poderiam contribuir para uma representação de mulheres, negros e pessoas LGBQTQIA+ com mais nuances e contradições.
Outro ponto forte do livro é a habilidade de Gay de rir de si mesma e mencionar seu gosto por romances para adolescentes, suas inseguranças e ressacas. Isso a aproxima dos leitores, uma vez que ela não tenta se colocar como um exemplo intelectual ou moral. A autora reconhece que gosta de produções de qualidade duvidosa, mas isso não a impede de fazer provocações inteligentes que estimulam os leitores a prestar mais atenção aos roteiros e construções de personagens de suas séries e filmes favoritos.
Vários ensaios não tratam diretamente de conceitos feministas. No entanto, como bell hooks, Gay usa a teoria e a abordagem interseccional como base para seus textos. Assim, Gay critica escritoras como Hana Rosin e Sheryl Sandberg, que fazem análises generalizantes sobre as experiências das mulheres, ignorando recortes de classe raça, mas também analisa como homens perdem a oportunidade de explorar na literatura e no audiovisual como o machismo também os afeta de várias maneiras. Outro ponto comum entre hooks e Gay são os textos sobre a experiência como professora, relatando seus desafios e aprendizados na convivência com os alunos.
Muitas coisas podem ter mudado desde que "Má Feminista" foi lançado e se tornou um best seller do The New York Times, mas as mulheres ainda precisam lutar por melhores condições de vida em todo o mundo. Ler Roxane Gay hoje nos lembra a respeitar a própria humanidade e não nos levarmos tão a sério enquanto brigamos pelos nossos direitos.
MÁ FEMINISTA
Avaliação: muito bom
Preço: R$ 49,90 (320 páginas)
Autor: Roxane Gay (tradução: Raquel de Souza)
Editora: Globo Livros

