SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O governo do Rio de Janeiro iniciou nesta quarta (19) um novo programa de ocupação de favelas.

A primeira ação foram operações policiais em duas comunidades: Jacarezinho (zona norte), dominada pelo tráfico de drogas, e Muzema (zona oeste), controlada por uma milícia.

O projeto Cidade Integrada relembra a implantação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) há 14 anos. Segundo o governador Cláudio Castro (PL), o objetivo é retomar esses territórios com mudanças urbanísticas e sociais, mas ele ainda não explicou como isso será feito.

No total, foram empregados 1.300 policiais (800 militares e 500 civis), um helicóptero, blindados e reforços nas vias expressas dos dois complexos, com acompanhamento em tempo real do Centro de Controle e Comando (CICC), no centro da cidade. As equipes vão permanecer nas comunidades por tempo indeterminado.

O Jacarezinho, alvo de uma incursão que deixou 28 mortos há cerca de oito meses, amanheceu em clima de tensão, com a entrada primeiro dos batalhões da Polícia Militar de operações especiais (Bope), choque (BPChq) e ação com cães (BAC), mas não houve registro de confrontos.

Pouco depois, ingressaram policiais civis para cumprir 42 mandados de prisão e 13 de busca e apreensão de adolescentes, porém apenas duas pessoas foram detidas até o final da tarde. Os agentes também ocupam comunidades menores na área, como Bandeira 2 e Morar Carioca, e a favela vizinha de Manguinhos.

Por volta das 10h, foi a vez da Muzema, que engloba as comunidades da Tijuquinha e do Banco e onde dois prédios desabaram matando 24 pessoas em 2019. Segundo as polícias, outras 33 pessoas foram detidas ali, em ação mais focada no combate ao comércio ilegal de gás, crimes ambientais e construções irregulares.

"Damos início a um grande processo de transformação das comunidades do estado do Rio. Foram meses elaborando um programa que mude a vida da população levando dignidade e oportunidade. As operações de hoje são apenas o começo dessa mudança que vai muito além da segurança", escreveu Cláudio Castro nas redes sociais pela manhã.

Ele só dará detalhes sobre o novo programa em uma entrevista coletiva marcada para o próximo sábado (22). A ideia era ter começado o projeto ainda em 2021, o que não aconteceu. Segundo o governador, as duas favelas servirão de modelo para outros lugares.

Um documento interno divulgado pelo site G1 em novembro indica que as próximas quatro favelas a passar pela ocupação devem ser Maré (zona norte), Cesarão e Rio das Pedras (zona oeste do Rio) e Pavão-Pavaozinho/Cantagalo, em Copacabana e Ipanema (zona sul).

Castro havia afirmado na semana passada à imprensa que o Cidade Integrada não seria "como em outras épocas". "Eu tenho certeza de que não é, como em outras épocas, entrar dando tiro nas pessoas. É uma entrada de serviço público, um repensar da segurança pública", declarou.

A falta de diálogo e de informações foi criticada por especialistas da área e representantes das favelas. "[A ocupação] repete fórmula fracassada de ocupação militar e não tem um programa social desenhado. Não há articulação setorial e muito menos diálogos com os moradores", diz nota da Rede de Observatórios da Segurança.

O prefeito Eduardo Paes (PSD), por exemplo, afirmou que só foi avisado da ação pelo governador no fim desta terça (18), quando já havia cercos da polícia. "O que não houve foi planejamento prévio com prefeitura. E ressalto que apoio a iniciativa e trabalharemos juntos pelo bem de nossa gente. Só tem é que ter segurança pública", publicou.

"Todos os projetos construídos sem a participação da comunidade tendem a nascer falidos. São os moradores desses territórios que conhecem suas necessidades", diz Rumba Gabriel, líder comunitário no Jacarezinho.

Segundo ele, os moradores ainda estão apreensivos. "O clima na comunidade é o pior possível. Tem uma parte grande do comércio que não abre por medo, e muitos trabalhadores que não vão para o emprego com medo de bala perdida", afirma.

Questionado, o Ministério Público respondeu que acompanha as ações desta quarta por meio do Plantão Permanente ADPF 635 (Whatsapp 21 2215-7003 e email [email protected]), criado para receber eventuais denúncias de violação de direitos após a decisão do STF que limitou operações em favelas durante a pandemia.

Em maio passado, o Jacarezinho foi palco da operação mais letal da história do Rio de Janeiro, com 28 mortos, incluindo um policial civil. Até o fim do ano passado, apenas uma das mortes de civis havia tido o seu inquérito concluído, resultando na denúncia de dois agentes por homicídio e remoção de cadáver.

Na ocasião, os policiais disseram que revidaram disparos de traficantes, e a Polícia Civil divulgou as fichas criminais. Os moradores, no entanto, relataram horas de terror com rastros de sangue e corpos pelas vielas, alegando que parte das vítimas foi morta mesmo após se render.

UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA

O Cidade Integrada agora é comparado ao projeto das UPPs, implantado em 2008 pelo então governador Sérgio Cabral (MDB), hoje preso por corrupção. São equipes da PM que atuam exclusivamente em favelas, tendo como fundamento, teoricamente, a parceria com a população.

Ele teve sucesso inicial ao acabar com o domínio armado em pequenas comunidades da zona sul da capital e ganhou prestígio com a redução de tiroteios e mortes. A partir de 2014, porém, os índices voltaram a subir e a credibilidade do programa, a cair.

Entre os motivos para o fracasso, especialistas apontam o fato de o projeto ser insustentável financeiramente, ineficaz em grandes territórios e não ter trazido serviços públicos junto com o policiamento, como educação e saúde aos moradores.

Também é criticado o seu uso político, sem uma revisão no programa. Faltou planejamento para evitar a "migração" de bandidos para outras favelas, por exemplo, e policiais acabaram reproduzindo práticas erradas antigas. ​