SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Desejo do prefeito Ricardo Nunes (MDB), a revitalização da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, gera um clima de tensão entre os pessoas que moram no local sob barracas improvisadas.

Na esteira da explosão no número de pessoas que vivem em situação de rua, o lugar é um dos cartões-postais onde é visível o aumento da concentração de sem-teto durante a pandemia de Covid-19.

Somente no mês de janeiro, a região conhecida como Cracolândia recebeu um fluxo médio de 527 pessoas por dia, segundo monitoramento feito pela Prefeitura de São Paulo. A população média registrada em dezembro e novembro, respectivamente, foi de 574 e 666.

Nunes escalou a Subprefeitura da Sé para intensificar o que chama de serviços de zeladoria na praça. As ações começaram na terça-feira (22) e deverão perdurar por dois meses, com término previsto para o dia 22 de abril.

Publicamente, o prefeito diz que nenhum morador deverá ser removido e, para isso, as obras serão divididas em três fases. No entanto, a constante presença dos funcionários da prefeitura e das forças de segurança, como da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana, além de investigadores do 77º Distrito Policial (Santa Cecília), reforçam o cenário de incertezas.

"A gente está aqui só à espera de porrada e bomba", diz o cadeirante Cláudio J. C. Alexandre, 52, que vive e fatura um trocado em seu barraco com a venda de aguardente e cigarros.

"Estão falando que vão reformar a praça, arrumar o jardim, retirar só as árvores que já estão condenadas e trocar os bancos. É claro que eles não vão pedir licença para o morador de rua, ainda mais na Cracolândia, onde o preconceito é maior", reclama Alexandre.

O pedreiro alagoano Francisco Ferreira da Silva, 62, diz que os próprios funcionários da prefeitura têm alertado os moradores quanto à remoção, e, em contrapartida, oferecem diárias em albergues, administrados pelo município.

"O albergue é um semiaberto praticamente, com horário para tudo, tem até muquirana [inseto] no colchão, e a comida na rua é melhor. Já tive objetos pessoais furtados no albergue", conta Silva, que mora na praça Princesa Isabel há dois anos.

Segundo ele, a remoção só não teve início na última terça por conta da presença de uma equipe de reportagem da Rede Globo, além do clamor de líderes religiosos.

"Sabe o que acontece? Estamos no centro da cidade, vão inaugurar o hospital da mulher aqui perto [Pérola Byington], e os governantes querem limpar a praça porque a gente é a escória", afirma Silva.

Em nota enviada à reportagem, a gestão Nunes afirma que, durante as ações de zeladoria, a SMSUB (Secretaria Municipal das Subprefeituras) recolhe "somente objetos que caracterizam estabelecimento permanente em local público, principalmente quando impedem a livre circulação de pedestres e veículos, como camas, sofás e outros itens que não caracterizem como de uso pessoal".

Somente não serão removidos os objetos de uso pessoal, diz a nota, "caracterizados pela pasta como cartões bancários, sacolas, medicamentos e receitas médicas, livros, malas ou mochilas, roupas e sapatos, cadeiras de rodas e muletas, panelas, fogareiros, utensílios para cozinhar e comer, alimentos, colchonetes, travesseiros, tapetes, carpetes, cobertores, mantas, lençóis, toalhas e barracas desmontáveis".

A reportagem esteve no local ao longo desta semana e quase não encontrou "barracas desmontáveis". As dezenas delas, esparramadas pela praça, foram levantadas com pedaços de pau e revestidas de plásticos ou pedaços de lonas.

Ainda havia a presença de colchões, estrado e até cabeceira de cama, além de sofá e poltrona em péssimo estado de conservação.

Em um dos barracos, o do casal Luiz Alberto, 52, e Ana Cristina dos Santos, 38, reúne cadeira, uma bancada com pia improvisada, pedaços de armário, além de uma cama box, e energia elétrica em ligação irregular (gato) para carregar o aparelho celular e abastecer uma caixa de som.

Segundo a prefeitura, em caso de apreensão, os bens são lacrados e inventariados pela subprefeitura da área, e os responsáveis têm até um mês para retirá-los.

A revitalização da área central foi o tema de uma reunião, na manhã desta sexta-feira (25), entre o prefeito Nunes, funcionários de secretarias como a de Assistência e Desenvolvimento Social (municipal e estadual), Direitos Humanos e Cidadania, Saúde, além do coronel Álvaro Camilo (secretário-executivo da Polícia Militar) e do delegado Severino Pereira de Vasconcelos, do 77º Distrito Policial.

Também estiveram no encontro os comandantes de policiamento militar Robinson Cabral de Oliveira (Capital) e Alexandre César Prates (área metropolitana).

Segundo fontes ouvidas pela reportagem, Nunes disse, na reunião, que sonha com o dia em que a praça voltará a ser frequentada pelas famílias.

"A minha impressão é que o prefeito Ricardo Nunes tem como grande questão uma cidade melhor, com o centro desimpedido de pessoas na condição de usuário de drogas. Quer um ambiente seguro, revitalizado", diz o delegado do 77º DP.

Após a reunião, Vasconcelos afirmou que caberá à Polícia Civil investigar e, se necessário, deflagrar uma nova fase da operação Caronte, que visa reprimir a atuação de organizações criminosas, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro na Cracolândia.

"No sentido turístico, temos ainda a estação da Luz, a vista do Largo Coração de Jesus, são tantos locais bonitos que em outros países o trânsito seria normal com as pessoas fazendo fotos nesses espaços. Aqui está todo mundo proibido em decorrência do uso explícito de droga", disse o delegado.