GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) - Uma nova polêmica bateu à porta do premiê britânico, Boris Johnson, alvo de pedidos de renúncia devido a uma série de festas realizadas durante períodos de restrições para conter a pandemia. Desta vez, o caso envolve o resgate de dezenas de animais do Afeganistão em meio à caótica retirada do país da Ásia Central após o grupo fundamentalista Talibã retomar o poder, em agosto.

Dois emails da chancelaria britânica tornados públicos nesta quarta (26) sugerem que Boris teria autorizado a evacuação de cães e gatos organizada por uma ONG local. O caso veio à tona em dezembro e gerou críticas de que animais teriam sido priorizados em vez de pessoas. O premiê negou que tivesse envolvimento na decisão.

A retirada foi pleiteada pela ONG de resgate de animais Nowzad, administrada pelo ex-fuzileiro naval Paul Farthing. Apoiadores da organização arrecadaram dinheiro para um avião particular, mas precisavam de permissão para pousar em Cabul. Cerca de 150 cães e gatos foram resgatados em um dos últimos voos que saíram do local.

Quando o assunto ganhou projeção nacional e Boris foi questionado sobre se havia intervindo no caso, o premiê disse que a alegação era um "completo absurdo". Downing Street fez coro, em comunicado, e disse que em nenhum momento o primeiro-ministro interferiu. "Sempre priorizamos pessoas em detrimento de animais", disse o governo.

As mensagens divulgadas nesta semana sugerem que o político conservador sabia da decisão e participou dela. No primeiro email, datado de 25 de agosto, um funcionário da diplomacia britânica pressiona um colega para ajudar uma segunda instituição de caridade animal e diz: "[o caso] Nowzad recebeu muita publicidade, e o premiê acaba de autorizar a evacuação da equipe e dos animais."

Na segunda mensagem, do mesmo dia, outro funcionário repete a alegação ao usá-la como argumento para defender que outra instituição de caridade, cujo nome é suprimido, receba ajuda. Ele diz que a autorização deve ser dada "à luz da decisão do primeiro-ministro de evacuar a equipe da instituição de caridade animal Nowzad".

Diante das novas informações, Boris voltou a negar participação no caso. Segundo informações do jornal britânico The Guardian, um porta-voz disse que o premiê não teve nenhum papel na autorização de evacuações individuais no Afeganistão, incluindo a de animais.

O assunto voltou a ser tema do comitê de Relações Exteriores do Parlamento britânico e acirrou as críticas a Boris. O parlamentar trabalhista John Healey disse, em uma rede social, que o premiê "mais uma vez foi pego mentindo". "Ele nunca deveria ter dado prioridade à retirada de animais do Afeganistão enquanto os afegãos que trabalhavam para nossas forças eram deixados para trás."

Os emails foram fornecidos ao comitê por Raphael Marshall, um ex-diplomata do Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido que, desde o ano passado, tem feito denúncias públicas sobre a forma como o país organizou a evacuação de cidadãos e aliados.

Marshall alega, por exemplo, que cerca de 75 mil a 150 mil pessoas solicitaram resgate britânico por temerem o Talibã, mas somente 5% da estimativa teriam recebido assistência. Ele também diz que os animais foram evacuados seguindo uma instrução direta de Boris.

A participação de Boris é negada pelo secretário de Defesa britânico, Ben Wallace. À emissora pública BBC ele declarou que em nenhum momento foi instruído pelo primeiro-ministro a evacuar Pen Farthing, sua equipe e os animais resgatados pela ONG. "Não colocaríamos animais de estimação na frente de pessoas e, como os fatos mostram, Farthing saiu por último."

A retirada de dezenas de milhares de pessoas do Afeganistão quando o Talibã tomou o poder foi marcada por cenas caóticas e de desespero. Dezenas morreram, alguns após tentarem embarcar em aviões que já haviam decolado. Dos que permaneceram, muitos tentam emigrar para outros países como forma de fugir do regime fundamentalista e da pobreza que assolou o país com maior intensidade nos últimos meses.

Entre acusações e negativas, os emails divulgados nesta quarta no Reino Unido colocaram mais lenha na fogueira em um momento no qual Boris está envolto em camadas de crise. As revelações de festas realizadas em Downing Street durante momentos críticos da crise sanitária desaguaram em uma investigação policial que talvez resulte apenas em multas, mas que também ajuda a fragilizar a percepção pública da figura do premiê.

Espera-se que, em breve, um relatório interno de Downing Street capitaneado pela segunda-secretária de Gabinete, Sue Gray, detalhe a extensão das violações às regras sanitárias promovidas por membros do governo. Era previsto que o documento fosse publicado nesta semana, e fontes do governo disseram ao The Guardian que o material já foi finalizado, mas, após o anúncio da investigação policial, a expectativa é de que a divulgação atrase.