BAURU, SP (FOLHAPRESS) - O Parlamento do Reino Unido aprovou, nesta terça-feira (14), um novo pacote de medidas para conter o coronavírus no país, mas os bastidores da votação expuseram fragilidades no governo do primeiro-ministro Boris Johnson.

O conjunto apelidado de "Plano B" prevê ações como a expansão da obrigatoriedade do uso de máscaras e a exigência do certificado de vacinação em certos locais, como boates e grandes eventos.

De acordo com o governo, as medidas se justificam pela necessidade de garantir que os hospitais britânicos não entrem em colapso nas próximas semanas à medida que o país identifica um número crescente de casos da variante ômicron -- foram mais de 4.700 registros até esta terça, com ao menos dez pessoas hospitalizadas.

A aprovação do Plano B também se deu após uma série de declarações incisivas do primeiro-ministro britânico a respeito da pandemia de coronavírus. No domingo (12), Boris falou sobre uma inevitável "forte onda" da ômicron no Reino Unido. Na segunda-feira (13), anunciou a primeira morte relacionada à nova cepa no país e pediu que as pessoas descartem a ideia de que a mutação é mais branda.

Nesta terça, pouco antes do início dos debates que antecedem as votações no Parlamento, o premiê voltou a alertar seu gabinete sobre a iminência de um "enorme aumento" de casos da ômicron entre os britânicos, o que justificaria a imposição das medidas previstas no Plano B.

Durante a sessão, o secretário de Saúde, Sajid Javid, também anunciou o fim das restrições de viagem impostas a 11 países africanos. Segundo ele, a medida perdeu significado agora que a transmissão da ômicron no Reino Unido e no mundo tem se dado de forma comunitária, e não mais a partir de viajantes.

O passe sanitário se tornou, no entanto, o ponto mais sensível entre os parlamentares do Partido Conservador, o mesmo de Boris. Em geral, essa parcela dos correligionários do premiê consideram a exigência do documento um atentado à liberdade individual.

Na votação, segundo o jornal britânico The Guardian, foram mais de cem conservadores que se opuseram à medida, dos 126 que votaram contra, enquanto 369 se posicionaram favoravelmente.

O parlamentar Andrew Bridgen, por exemplo, disse, antes da votação, que alguns legisladores estavam determinados a "traçar um limite no que diz respeito a qualquer erosão adicional das liberdades civis".

Steve Baker, que foi vice-secretário do brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), afirmou que "estas medidas são equivocadas, desproporcionais e não há evidências suficientes de que são necessárias".

O ex-ministro David Johnson descreveu a introdução do passe sanitário como "totalmente errada". "As pessoas certamente devem ser encorajadas a receber a vacina, mas, em última análise, têm que assumir a responsabilidade por sua própria saúde", argumentou, em entrevista à agência de notícias Reuters.

Assim, como vinha sendo previsto por analistas, o líder britânico só conseguiu a aprovação do Plano B porque recebeu apoio de parlamentares da oposição.

Houve ainda conservadores que usaram a votação como uma oportunidade para expressar sua insatisfação com a gestão Boris Johnson. Para eles, o homem que conduziu o partido a uma vitória ampla nas eleições de 2019 está desperdiçando o êxito da legenda por meio de erros e escândalos.

Pesa contra Boris, por exemplo, a revolta da opinião pública com uma festa que teria sido realizada em Downing Street, sede do governo, durante a época de Natal de 2020, quando celebrações presenciais estavam proibidas em razão de restrições sanitárias. O episódio levou à renúncia de uma assessora do premiê na semana passada e continua rendendo acusações de hipocrisia ao alto escalão do governo.

No último sábado (11), o tabloide Sunday Mirror publicou uma foto que mostra Boris e dois de seus funcionários reunidos também em Downing Street para uma espécie de quiz virtual --embora as regras vigentes à época proibisse esse tipo de reunião em ambientes fechados.

Boris também foi responsabilizado na semana passada por uma reforma feita em sua residência oficial com verba não declarada oriunda de uma doação privada. A Comissão Eleitoral multou a legenda do primeiro-ministro em 16,2 mil libras (R$ 121 mil) por deixar de relatar a doação de 67,8 mil libras (R$ 499 mil), e o Partido Conservador terá que pagar mais 1.550 libras (R$ 11,4 mil) pela irregularidade.

Há ainda queixas contra Boris por tentar mudar normas parlamentares para ajudar aliados políticos, por suas férias luxuosas no exterior, pelos vínculos duvidosos de seu governo com algumas empresas, e por acusações de clientelismo na designação de cadeiras na Câmara dos Lordes (equivalente ao Senado).

Apesar do descontentamento com a gestão do premiê, no entanto, membros do Partido Conservador dizem que ainda não há clima para pensar em substituí-lo --o que se deve, principalmente, à ausência de um nome que reúna apoio suficiente para formar maioria no Parlamento.

Falando em anonimato à Reuters, um veterano do partido do premiê disse que Boris em um dia ruim é melhor que qualquer outro aspirante ao cargo em um dia bom. O líder britânico é conhecido por seu escapismo, a capacidade de desviar de um ou outro escândalo em sua vida pessoal ou política. Mas o acúmulo de queixas tem cobrado um preço em seus índices de popularidade.

Uma pesquisa do instituto Opinium para o jornal Observer registrou queda de quatro pontos na aprovação ao Partido Conservador, avaliado positivamente por 32% dos entrevistados. Já o Partido Trabalhista, principal legenda da oposição, subiu para 41%, seu melhor índice desde 2014.

As avaliações de Boris em nível individual também está em seu ponto mais baixo desde a eleição em 2019. Seu índice de aprovação (35%) caiu 14 pontos em duas semanas, e 57% dos entrevistados disseram que o premiê deve renunciar --9% a mais do que na pesquisa anterior.