SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - As rochas do interior gaúcho, cruciais para a compreensão da origem dos dinossauros, acabam de revelar mais um pequeno tesouro: o fêmur (osso da coxa) do mais antigo precursor desses animais na América do Sul, com idade em torno de 240 milhões de anos.

Nessa fase de sua história evolutiva, os ancestrais dos répteis gigantescos que um dia seriam os senhores de todos os ambientes terrestres do nosso planeta eram pequenos e raros --tão discretos, aliás, que isso dificulta o trabalho dos paleontólogos que tentam encontrá-los. O fêmur com 11 centímetros de comprimento, encontrado no município de Dona Francisca (RS), provavelmente correspondia a um animal de 1 m de comprimento ou menos.

O achado está descrito em artigo publicado recentemente na revista especializada Gondwana Research. Assinam o estudo Rodrigo Temp Müller e Maurício Garcia, da Universidade Federal de Santa Maria. A dupla classifica o bicho como um dinossauromorfo, ou seja, membro de um grupo que abrange todas as espécies mais próximas dos dinos do que dos crocodilos (atuais ou extintos) ou dos pterossauros (répteis voadores).

Para saber onde o dono do fêmur se encaixa no álbum de família dos répteis do Triássico (período geológico no qual ele viveu), os pesquisadores analisaram os detalhes da anatomia do osso. Entre os mais importantes estão os chamados trocânteres, protuberâncias do fêmur que funcionam como locais de apoio para a musculatura que comanda movimentos de áreas como a coxa e a cauda. Também é interessante ter uma ideia de como o fêmur se encaixava na bacia do animal.

Ocorre que, ao longo da evolução do grupo que daria origem aos dinossauros, esses detalhes foram sofrendo transformações dedicadas a facilitar a postura bípede e hábitos mais cursoriais (ou seja, típicos de animais ágeis, que se viram bem na corrida). São detalhes como esses que aparecem no osso desencavado no interior gaúcho. "Mas ainda não conseguimos afirmar que esse animal específico já era bípede", esclarece Müller.

Dinossauromorfos com características semelhantes às que estão presentes no novo fóssil já tinham sido encontrados em rochas da Argentina e também na África, em países como a Tanzânia e a Zâmbia. Faz sentido quando se considera que, naquela época remota, a América do Sul e o continente africano estavam colados, sem a presença do Atlântico que hoje as separa. Não é por acaso que o litoral brasileiro e a costa ocidental africana parecem se encaixar, feito as peças de um quebra-cabeças.

Já está claro que o fêmur gaúcho é o mais antigo registro desses bichos na América do Sul, superando em idade os exemplares argentinos. Em tese, os fósseis africanos seriam um pouco mais velhos, mas a idade deles está sendo rediscutida nos últimos tempos, o que significa que o registro brasileiro dos dinossauromorfos talvez seja também o mais antigo do mundo todo.

O que se sabe sobre os animais do grupo nessa época indica que eles eram carnívoros de pequeno porte ou onívoros (comendo tanto insetos e pequenos vertebrados quanto plantas). Há poucos dados sobre a vegetação existente na região nessa fase do Triássico, mas as características das rochas indicam que o clima era relativamente úmido, diz Müller.

Outros grupos de répteis eram bem mais numerosos e diversificados do que os dinossauromorfos naquele momento. Já havia também precursores dos mamíferos e, entre os predadores, destacava-se o Prestosuchus chiniquensis, parente distante dos jacarés e crocodilos atuais que alcançava 7 metros de comprimento. O aumento do tamanho e da importância ecológica da linhagem dos dinossauros só aconteceria milhões de anos mais tarde.