PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - Demorou meio século, mas o mundo está finalmente se rendendo ao Sparks, o duo pop composto pelos

irmãos Ron e Russell Mael.

Em julho, quando o musical "Annette", estrelado por Marion Cotillard e Adam Driver, dirigido pelo francês Leos Carax e com música e roteiro do Sparks, abriu o Festival de Cannes, os irmãos completavam 50 anos de carreira discográfica. O primeiro álbum, ainda sob o nome Halfnelson, saiu em 1971 -desde então, Ron e Russ, já sob o nome Sparks, lançaram outros 24.

Mas "Annette", exibido na Mostra de SP agora e com estreia na plataforma Mubi em 26 de novembro, não foi o único triunfo dos irmãos em 2021.

No início do ano, o cineasta Edgar Wright, de "Em Ritmo de Fuga" e "Scott Pilgrim Contra o Mundo" -além de "Noite Passada em Soho", exibido na Mostra agora-, lançou um documentário, "The Sparks Brothers", que conta a história do grupo e traz depoimentos apaixonados de admiradores como Beck, Flea, do Red Hot Chili Peppers, Alex Kapranos, do Franz Ferdinand, Gillian Gilbert, do New Order, Thurston Moore, do Sonic Youth, e Steve Jones, do Sex Pistols.

"É estranho ver, de repente, tanta gente falando sobre nós", diz Russ, de 73 anos, numa conversa por Zoom de Los Angeles, onde ambos moram. "Nossa resiliência venceu", brinca Ron, de 76. "O fato é que nos recusamos a desaparecer, e as pessoas devem ter pensado: 'OK, vamos dar uma chance a esses caras estranhos'."

Resiliência e estranhamento são duas marcas registradas do Sparks. Há 50 anos, Ron e Russ fazem um bizarro e sofisticado híbrido de música pop, cabaré, rock, trilhas de musicais e qualquer outra coisa que vier à telha. O Sparks não tem um disco igual ao outro, vive se reinventando e tentando coisas novas. Nunca fez sucesso comercial, mas cativou as poucas pessoas que entenderam o senso de humor e experimentação da dupla.

Ron e Russ parecem genuinamente surpresos pelo sucesso depois de meio século. "Quando algo não pode ser colocado num lugar específico, não pode ser rotulado de uma maneira simples, é mais difícil para alguns aceitá-lo", diz Ron.

"O estranhamento é um obstáculo, mas agora talvez as pessoas estejam procurando coisas diferentes, e isso nos ajudou. Também tivemos a sorte de encontrar gente como Edgar Wright e Leos Carax, que se tornaram aliados e ajudaram a levar o Sparks para um público mais amplo."

A ligação de Ron e Russ com o cinema vem de longe. Adolescentes, em Los Angeles, passavam tardes em matinês, vendo faroestes e filmes de aventura. Nos anos 1970, fizeram amizade com Jacques Tati. Ele se encantou com a música do Sparks e preparava "Confusion", história em que Paris estava dominada por corporações ligadas à televisão e publicidade. Ron e Russ passaram meses trabalhando no roteiro, mas o dinheiro não saiu, e a morte do cineasta, em 1982, enterrou o projeto.

Nos anos 1990, os dois se envolveram com Tim Burton na adaptação para o cinema de um mangá japonês, "Mai - A Garota Sensitiva", mas o diretor de "Edward Mãos de Tesoura" desistiu na última hora.

Apesar dos fracassos com Tati e Burton, os irmãos Mael persistiram na ideia de escrever um musical. "Não queríamos fazer um filme como os de Hollywood dos anos 1940, com aquelas coreografias", diz Russ. "Adoramos os antigos, mas nossa ideia era criar algo mais moderno, com atuações mais naturalistas, sem usar os modelos do passado."

Ron afirma que uma das grandes inspirações da dupla é o musical "Os Guarda-Chuvas do Amor", lançado em 1964 pelo francês Jacques Demy.

Ron e Russ escreveram o roteiro e compuseram a trilha de "Annette", história de um comediante de "stand up", vivido por Adam Driver, e sua mulher, uma cantora de ópera interpretada por Marion Cottilard, que têm a vida mudada com o nascimento da filha.

Em 2013, os irmãos foram ao Festival de Cannes e encontraram Leos Carax. "Fomos tomar um café para agradecer por ele ter usado uma música nossa na trilha de 'Holy Motors'", afirma Russ.

Durante a conversa, mencionaram a ideia de "Annette". Carax pediu para ler o roteiro. Algumas semanas depois, Carax ligou para os Mael e disse que tinha interesse em dirigir o filme. "Foi incrível fazer essa parceria com Leos, um cineasta que entende nosso senso estético e tem um talento único para criar imagens lindas e impactantes", diz Ron.

Com "Annette" e o documentário, a fama do Sparks chegou a um nível inédito para o duo. Em fevereiro, Ron e Russ começam uma turnê por América do Norte, Ásia e Europa, com dois shows esgotados no imponente Disney Hall, em Los Angeles. "Nunca fomos ao Brasil", diz Russ. "Faremos de tudo para ir dessa vez".