BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A construtora Queiroz Galvão voltou a vencer uma licitação do governo federal depois de sete anos. Nesse período, a empresa esteve pressionada pela Operação Lava Jato. Houve ainda queda no ritmo de grandes obras públicas.

A empreiteira assumirá a construção de um trecho adicional de 115 quilômetros da transposição do rio São Francisco. No certame, a companhia apresentou o menor preço (R$ 938,5 milhões) entre as concorrentes.

A transposição começou no governo do PT e agora virou uma das bandeiras de Jair Bolsonaro (sem partido). Ativo para 2022, a obra é uma aposta para alavancar a popularidade do presidente no Nordeste.

O MPF (Ministério Público Federal) apontou, em denúncia de 2016, que a empresa integrava um cartel que fraudava concorrências da Petrobras em troca de propinas.

Em maio deste ano, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou uma condenação de ex-executivos da empresa por entender que cabe à Justiça Eleitoral avaliar o caso. Eles haviam sido punidos pela Justiça Federal de Curitiba no fim de 2020.

Mesmo na pandemia da Covid, Bolsonaro intensificou viagens à região, onde tem baixo desempenho em pesquisas eleitorais. Ele inaugurou trechos da transposição em junho de 2020 e maio deste ano, em eventos no Ceará e em Alagoas.

O ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) —um desafeto de Paulo Guedes (Economia) por incentivar gastos com obras— também colhe dividendos políticos do projeto. O MDR é responsável pelo empreendimento.

O ramal vencido pela Queiroz Galvão irá beneficiar principalmente o Rio Grande do Norte, reduto eleitoral de Marinho. O ministro é cotado para a disputa ao governo estadual ou para o Senado no próximo ano.

Em nota, o MDR afirmou que a obra estava prevista desde 2004 e que outros estados já haviam sido contemplados pelas águas.

"A região beneficiada pelo ramal do Apodi ficou como a última no planejamento para a construção das obras complementares em decorrência do caminho das águas para chegar aos três estados contemplados: Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte", disse o ministério.

O resultado da concorrência da qual a construtora saiu vencedora foi publicado na quarta-feira (2) no DOU (Diário Oficial da União).

A previsão é que a obra seja concluída em quatro anos a partir da assinatura da ordem de serviço, que deve ocorrer no fim de junho, em evento com a presença de Bolsonaro e de Marinho.

A obra trata do ramal do rio Apodi, que levará água do eixo norte da transposição do São Francisco para 48 municípios do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Ao todo, 750 mil habitantes serão beneficiados, segundo a pasta de Marinho.

Do total, 32 cidades estão no RN, com população estimada em 478 mil pessoas.

O ramal é o trecho final do eixo norte. A água será conduzida por efeito da gravidade do reservatório Caiçara (PB) até o reservatório de Angicos (RN), na bacia do rio Apodi.

Durante a concorrência, o MDR desclassificou a Queiroz Galvão, por dúvidas sobre a experiência de um técnico da empresa. O caso foi resolvido após a Justiça determinar que a comissão de licitação fizesse novas análises. Feitas as consultas, a pasta considerou comprovado que a construtora poderia seguir no processo.

Antes de obter êxito nesse certame, porém, a Queiroz Galvão chegou a ficar proibida de participar de licitações por determinações do TCU (Tribunal de Contas da União) e da CGU (Controladoria-Geral da União), derrubadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e pela Justiça Federal, respectivamente.

Em janeiro do ano passado, o ministro Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), por exemplo, havia impedido a empreiteira de entrar em disputas do governo federal em razão de suspeitas apontadas pela Lava Jato.

"Ficou comprovado que a Queiroz Galvão fraudou certames licitatórios na Petrobras, em conjunto com outras empresas, mediante ajustes recíprocos de propostas de cobertura e alocação de pacotes de licitações entre concorrentes", afirmou o ministério.

De acordo com a pasta, a construtora ainda "realizou pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos do alto escalão da Petrobras, dentre eles o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa".

Primeiro delator da Lava Jato, Costa apontou desvios de recursos da Petrobras. Ele foi condenado em segunda instância a mais de 75 anos por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Beneficiado pelo acordo, cumpriu dois anos e cinco meses em regime fechado.

Em nota, a Queiroz Galvão afirmou que está apta a participar de licitações e a celebrar contratos com o setor público. A construtora citou as decisões do STF e da Justiça Federal.

"A decisão proferida pela CGU está suspensa por força de decisão judicial e não possui qualquer eficácia. Os fundamentos da decisão judicial se baseiam em irregularidades cometidas pela CGU durante a tramitação do processo administrativo", disse a empresa.

A Queiroz Galvão também reforçou que seus ex-executivos não estão condenados.

A empreiteira não ganhava grandes concorrências do governo federal desde 2014. A construtora, porém, manteve obras em andamento ao longo dos anos e venceu concorrências estaduais e municipais.

No ano passado, a construtora ganhou a licitação do governo de São Paulo para realizar obras do VLT (veículo leve sobre trilhos) da Baixada Santista, por R$ 217,7 milhões.

A empresa citou a falta de grandes obras do governo federal ao justificar o tempo distante destas licitações.

"A última contratação com o governo federal foi em 2014, e isso aconteceu porque o governo federal parou de fazer licitações para grandes obras em 2015, em razão da crise econômica, só retomando em 2020", disse a construtora.

"Desde 2020, a empreiteira participou de três licitações, tornando-se a vencedora da disputa de Apodi em razão do melhor preço", afirmou.

O atual edital estimava a etapa da obra em R$ 1,04 bilhão. Segunda colocada na disputa, a Marquise ofereceu os serviços por R$ 960,8 milhões.

"No caso de Apodi, a empresa ganhou a disputa por menor preço, com uma diferença de mais de R$ 70 milhões. Assim, exclui-la da disputa representaria prejuízo aos cofres públicos e um descumprimento por parte do ministério às decisões judiciais", afirmou a Queiroz Galvão.

Empreiteiras investigadas na Lava Jato retomaram disputas por obras públicas, especialmente de governos de estados e municípios.

A Odebrecht assinou em 2018 o primeiro contrato de licitação pública desde a operação, deflagrada em 2014, para obras de R$ 600 milhões em Furnas, uma subsidiária da Eletrobrás.

Já a Camargo Corrêa venceu, em 2019, o primeiro grande projeto após a investigação, para fazer a ampliação do metrô de Salvador, por cerca de R$ 424 milhões.

Segundo o MDR, a licitação para construção do ramal foi concluída e não há mais chance de recurso administrativo —ou seja, uma mudança no resultado só poderá ser obtida na Justiça.

A pasta disse que a construtora não tem barreiras para participar da disputa, cumpriu com exigências do edital e apresentou o menor preço. "O ministério não pode eliminar empresas de processos licitatórios sem amparo na lei ou de decisão judicial que dê causa", afirmou o MDR.

O ministério de Marinho ainda destacou o impacto econômico do empreendimento para os municípios da região beneficiados pela transposição do rio São Francisco.

"Com a chegada das águas ao rio Apodi, o projeto São Francisco será interligado aos açudes Pau dos Ferros e Santa Cruz, dois dos principais reservatórios potiguares, ampliando a oferta hídrica para o desenvolvimento de atividades agrícolas no perímetro da bacia do Apodi, que tem alto potencial de solo e localização privilegiada para a exportação de alimentos", afirmou, em nota, o ministério.

Iniciada em 2007, no segundo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a transposição do rio São Francisco teve 477 quilômetros divididos em dois eixos (leste e norte). O ramal é um dos trechos adicionais que levam águas dos eixos até cidades do interior.

Segundo o MDR, está estimado em R$ 19,5 bilhões o investimento na transposição do rio São Francisco, além de obras complementares e o Canal do Sertão Alagoano.

"Desse total, R$ 3 bilhões foram repassados na gestão do presidente Jair Bolsonaro, sendo R$ 1,07 bilhão nos dois eixos", disse a pasta.