Putin reforça ocidentefobia e diz que navio britânico poderia ser afundado sem gerar 3ª Guerra
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quarta-feira, 30 de junho de 2021
PATRICIA PAMPLONA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma semana após disparar tiros de advertência contra um navio militar britânico na costa da Crimeia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, descarregou um discurso bélico contra forças ocidentais em sua conversa anual com eleitores nesta quarta-feira (30) -a primeira desde o início da pandemia de Covid e a 18ª do mandatário.
Na última semana, as tensões entre Londres e Moscou cresceram com a entrada do destróier HMS Defender na costa da Crimeia, na última quarta (23). Para os britânicos, as águas onde o navio navegava pertencem à Ucrânia, mas para a Rússia, que anexou a península em 2014, a região é território seu, e Moscou viu a invasão, que Putin disse ter sido planejada por Reino Unido e EUA, como uma provocação.
Um barco da Guarda Costeira russa deu tiros de advertência contra o navio, além de avisar pelo rádio que faria isso se ele não mudasse o curso. De forma ainda mais agressiva, caças-bombardeiros Sukhoi Su-24 cercaram o Defender e, segundo a Rússia, quatro bombas foram jogadas à frente de sua rota. Londres nega essa parte do relato.
Para Putin, no entanto, um dos mais graves incidentes entre forças russas e ocidentais desde a Guerra Fria não levaria o mundo a uma Terceira Guerra. "Mesmo que tivéssemos afundado o navio, é difícil imaginar que o mundo ficaria à beira da Terceira Guerra Mundial porque aqueles que estavam fazendo [as provocações] sabem que eles não poderiam sair vitoriosos de tal conflito."
Os comentários reforçaram a ameaça já feita pelo Kremlin de que Moscou bombearia navios britânicos no mar Negro se houvesse mais provocações.
Putin disse que a ação foi desenhada para revelar como as forças russas na região reagiriam a tais intrusões e que um avião espião americano teria decolado da Grécia mais cedo naquele dia para observar as movimentações.
"Ficou claro que o destróier entrou [na costa da Crimeia] buscando, primeiramente, objetivos militares, tentando usar o avião espião para ver como nossas forças interromperiam tais provocações, para observar o que está ativado e onde, como as coisas funcionariam e onde tudo está localizado."
O presidente também falou que a Rússia descobriu qual era o objetivo do exercício e respondeu de forma que apenas as informações consideradas necessárias por Moscou foram fornecidas para o Ocidente. Putin disse ainda ter visto um elemento político no incidente, ocorrido pouco tempo depois de ter se encontrado com o presidente americano, Joe Biden, em Genebra.
"A reunião em Genebra tinha acabado de acontecer, então por que essa provocação foi necessária, qual era o objetivo? Para ressaltar que aquelas pessoas [americanos e britânicos] não respeitam a escolha da Crimeia de fazer parte da Federação Rusa", afirmou.
Putin acusou ainda Londres e Washington de falta de gratidão ao dizer que, mais cedo neste ano, ordenou que as forças russas se retirassem da fronteira com a Ucrânia em abril, quando o presidente havia concentrado tropas na região e fechado áreas do mar Negro para pressionar Kiev a não agir contra os separatistas, como movimentações militares indicavam. O episódio elevou as tensões com ocidentais.
"Nós fizemos isso", disse nesta quarta. "Mas em vez de reagir positivamente dizendo 'ok, entendemos sua resposta às nossas queixas', o que eles fizeram? Eles invadiram nossas fronteiras."
Especificamente sobre as relações com os americanos, Putin disse esperar que "a percepção de que o mundo está mudando, assim como a necessidade de rever nossas prioridades e interesses nesse mundo oscilante, vai levar a uma ordem mundial melhor para nossas relações [internacionais], incluindo os EUA".
Já sobre a Ucrânia, no centro das tensões da última semana, o presidente russo disse que não via por que deveria se reunir com Volodimir Zelenski, mandatário do país vizinho, afirmando que "ele entregou o país ao controle externo total".
"Questões vitais para a Ucrânia não são resolvidas em Kiev, mas em Washington e parcialmente em Berlim e Paris. O que há para discutir?", afirmou. "Não estou negando [uma reunião], só preciso entender sobre o que conversar."
Outros assuntos tratados na conversa incluíram sua sucessão e a situação da vacinação contra a Covid no país. Com mudanças constitucionais aprovadas em referendo no ano passado, Putin pode permanecer no poder até 2036 --ele se tornou premiê pela primeira vez em 1999 e, de lá para cá, foram quatro mandatos presidenciais, além do período como primeiro-ministro de Dmitri Medvedev.
Após todo esse tempo no poder, o presidente russo disse não ver ainda um sucessor. "Quando o momento chegar, espero poder dizer que tal ou tal pessoa, em minha opinião, é digna de liderar um país tão maravilhoso como a nossa mãe Rússia."
E apesar da repressão contra opositores, ele afirmou que a decisão de quem deve comandar o país cabe, em última análise, aos cidadãos. "Eles exercem sua liberdade de escolha por meio do voto secreto direto. Esse é o único jeito."
Já sobre a Covid, Putin direcionou seu discurso para incentivar a população a se vacinar, apesar de se posicionar contra a imunização obrigatória. A variante delta, identificada na Índia, tem gerado forte preocupação na Rússia, que viu sua maior média móvel de mortes nesta terça (29), com 590 óbitos registrados, e o número de casos também está em alta, com média móvel de infecções de 20 mil também nesta terça.
Autoridades também atribuem o crescimento à vacinação lenta. Apesar de ter largado na frente com o polêmico desenvolvimento da Sputnik V, a Rússia aplicou a primeira dose em 15,2% dos seus 144 milhões de habitantes, e as duas, em 11,7%.
Como incentivo, Putin garantiu ter se vacinado com a Sputnik V e disse que os militares têm recebido o mesmo imunizante. "Depois da primeira dose, não senti nada. Cerca de quatro horas depois, havia um pouco de sensibilidade no local de aplicação", relatou. "Tomei a segunda [dose] ao meio-dia. À meia-noite, medi minha temperatura. Estava 37,2°C. Dormi, acordei, e minha temperatura estava 36,6°C. Foi isso."

