SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Rússia de Vladimir Putin listou pela primeira vez as condições que apresentou à Ucrânia para acabar com a guerra que devasta o país vizinho há 12 dias.

Em uma entrevista à agência Reuters, por telefone, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que a operação "acaba em um instante" se Kiev se render militarmente, mudar sua Constituição para garantir que nunca irá aderir à Otan (aliança militar ocidental) ou à União Europeia, reconhecer a Crimeia anexada em 2014 como russa e as ditas repúblicas separatistas do Donbass, no leste, como independentes.

Segundo Peskov, os negociadores russos já informaram aos ucranianos seus termos na semana passada, quando fizeram duas reuniões na Belarus. Uma terceira rodada ocorreu nesta segunda (7), mas segundo os enviados de Kiev apenas resultou em pequenos avanços na coordenação para a criação de corredores humanitários.

O negociador-chefe de Moscou, o ex-ministro da Cultura Vladimir Medinksi, foi mais direto e disse que a conversa "não está à altura das expectativas de Moscou", um eufemismo para a rejeição dos termos.

"Esperamos que na próxima vez tenhamos um avanço mais significativo", disse. Na próxima quinta (10), os chanceleres dos dois países devem se encontrar na Turquia. Enquanto isso, os combates se intensificaram em torno de Kiev, levando a temores de que o esperado ataque direto à capital com tropas e blindados se materialize.

Peskov afirma que não haverá exigências territoriais adicionais a serem feitas, o que não condiz com o mapa que se desenha no solo ucraniano, particularmente com o estabelecimento de uma ponte terrestre entre o Donbass e a Crimeia, base da Frota do Mar Negro russa.

Se a cidade de Mariupol, sob intenso cerco e objeto da discussão acerca de corredores humanitários, cair, tal ligação está estabelecida. E as forças de Putin lutam para chegar até Odessa, o maior porto ucraniano. Se conseguirem, apesar dos reveses no caminho no fim de semana, podem isolar o país do mar.

"Nós realmente estamos acabando a desmilitarização da Ucrânia. Vamos acabá-la. Mas a principal coisa é a Ucrânia cessar sua ação militar. Aí ninguém vai atirar", disse Peskov. Em outras palavras, o Kremlin quer a rendição dos ucranianos, algo que o governo de Volodimir Zelenski rejeita. No sábado (5), Putin havia dito que a Ucrânia corria o risco de deixar de ser um Estado soberano.

"Eles devem fazer emendas à Constituição de acordo com as quais a Ucrânia irá rejeitar entrar em qualquer bloco", afirmou, sobre a neutralidade. A frase é importante, pois "qualquer bloco" indica não só o temor decantado dos russos de ter um país enorme membro da Otan junto às suas fronteiras, mas também o desejo de evitar que a União Europeia transforme a Ucrânia em uma vitrine do tipo de democracia que possa inspirar opositores de Putin na Rússia.

Peskov disse que "seria uma questão de tempo" ver mísseis intermediários e outras armas ofensivas colocadas numa Ucrânia que fizesse parte da Otan. "Tivemos de agir." A questão da neutralidade estava no centro do ultimato feito aos EUA e à Otan em dezembro por Putin, que foi rejeitado liminarmente pelos ocidentais. No caso, o russo queria a garantia deles de que não trariam a Ucrânia para seu lado.

Em 2008, tal possibilidade levou o Kremlin a lutar uma guerra na Geórgia, vencida em cinco dias. As ações de 2014 na Ucrânia já seguiam essa lógica, já que o governo pró-Rússia de Kiev havia caído após protestos de rua por não ter aceitado um acordo comercial com os europeus. Putin busca manter o cinturão que separa a Rússia de seus adversários, como fizeram antes o Império Russo e a União Soviética.

Por fim, as questões territoriais existentes. Que a retomada da Crimeia por Moscou em 2014 é um fato consumado, isso é admitido por qualquer diplomata ocidental. Fazer Kiev aceitar parece algo mais difícil. O mesmo se aplica às chamada "repúblicas populares" do Donbass, baseadas em Donetsk e Lugansk, lar de 4 milhões de pessoas, a maioria russófona, 800 mil delas com passaporte russo.

"Isso não significa que a gente está tomando Lugansk e Donetsk da Ucrânia. Elas não querem ser parte da Ucrânia. Mas isso não significa que devam ser destruídas como um resultado", disse o porta-voz, repassando a justificativa inicial da ação de Putin —a suposta proteção às duas áreas que são autônomas desde a guerra civil que seguiu à anexação da Crimeia.

"De resto, a Ucrânia é um Estado independente que irá viver como quiser, sob as condições de neutralidade", disse. A Rússia reconheceu as duas regiões três dias antes do início da guerra. "Nós entendemos que elas seriam atacadas."