SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em um novo e agressivo discurso sobre a crise na Ucrânia, o presidente Vladimir Putin direcionou suas baterias contra o Ocidente, a quem acusou de querer "cancelar a Rússia". "A tentativa de obter uma dominação global está chegando ao fim", disse.

É a mais inequívoca manifestação de Putin para responsabilizar o Ocidente pela guerra que conduz há três semanas no vizinho. Ela vem em meio a diversos movimentos diplomáticos, incluindo os EUA, para tentar atingir um cessar-fogo.

Pode assim ser lida como uma exibição para o público interno de determinação e inflexibilidade, enquanto uma solução aceitável se desenha e os russos mantêm sua campanha militar com ataques a várias cidades, mas não uma ofensiva decisiva.

Putin falava com ministros de seu gabinete em uma reunião televisionada. Trouxe as duras sanções aplicadas por Estados Unidos e aliados para o centro de sua crítica. "Querem atingir cada família russa", afirmou, dizendo que o calote que o país dará em papéis de sua dívida "foi imposto" por uma "blitzkrieg econômica".

Com talvez metade de seus US$ 640 bilhões em reservas cambiais com o acesso congelado no exterior, Putin disse: "As ações mostram que ouro e reservas externas podem simplesmente ser roubadas".

É a declaração mais forte contra o regime de sanções até agora. Putin falou sobre a expectativa de mais inflação e desemprego, e que tudo isso não passa de um "plano de longo prazo" do Ocidente para "conter a Rússia".

"O Ocidente nem se preocupa em esconder que seu objetivo é atingir toda a economia russa, cada russo", afirmou. "Ele está numa campanha informativa sem precedentes contra a Rússia. É um império de mentiras".

O tom militarista-histórico seguiu, com a acusação de que o Ocidente faz o equivalente aos "pogroms antissemitas na Alemanha [nazista]". Pogrom, na origem, é uma palavra russa ("causar destruição") usada para determinar as perseguições a judeus no Império Russo no século 19, sendo depois aplicada mundo afora.

Desta forma, Putin colocou de vez a ideia de que sua guerra é apenas uma reação à expansão ocidental, por meio de adesão de 14 países ex-comunistas à Otan (aliança militar ocidental) desde 1999, rumo às lutando pela soberania da Rússia, futuro das nossas crianças".

Em tom que remete à doutrina nuclear russa, que prevê o uso da bomba atômica em casos de "ameaça existencial", Putin diz que está lutando na Ucrânia pela "sobrevivência da Rússia, pelo futuro de nossas crianças". Os temores de que o conflito se espalhe pela região, em especial países mais agressivos ante Moscou como a Polônia, fez ressurgir o temor de uma Terceira Guerra Mundial.

Ele repetiu que a operação militar especial, o jargão permitido na Rússia para a guerra, está sendo um "êxito, de acordo com o plano", e alertou Kiev de que o Ocidente "está empurrando a Ucrânia para mais derramamento de sangue".

Voltou a dizer que os EUA estavam criando uma "anti-Rússia" no país vizinho, e que "não permitiria que ela se tornasse uma plataforma para atacar" Moscou. Ele disse que está disposto a discutir os termos para a neutralidade da Ucrânia, ou seja, a renúncia de Kiev a entrar na Otan, mas também que sua guerra seguirá para "cumprir seus objetivos".

"Nós não queremos ocupar a Ucrânia", disse. Se for verdade, pode ter a ver com a realidade em solo, com protestos e risco de insurgência ucraniana em cidades controladas pelos russos, sendo a mais destacada Kherson, no sul do país.