SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após uma longa e tensa reunião na noite de segunda-feira (15), a cúpula do PSDB descartou adiar as prévias presidenciais marcadas para domingo (21) entre João Doria (SP), Eduardo Leite (RS) e Arthur Virgílio (AM).

Depois de desentendimentos a respeito do uso do aplicativo de votação, as campanhas chegaram a um acordo, nesta terça-feira (16), para uma votação híbrida, por meio do app e de uma urna eletrônica em Brasília —como já estava definido antes.

A votação ocorrerá das 8h às 15h, e a previsão é a divulgação do resultado no fim da tarde. O cadastro no aplicativo para participação da votação se encerrou na segunda —44,7 mil tucanos (de um universo de 1,3 milhão de filiados) se inscreveram.

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, diante de fragilidades identificadas no app, a campanha de Leite chegou a sugerir adiamento do pleito, algo que o governador gaúcho nega, enquanto Doria e Virgílio foram contra.

Ao longo das últimas semanas, a confiabilidade do aplicativo foi colocada em dúvida por auditorias, e a ferramenta foi alvo de hackers na segunda. Sem um plano B, já que uma votação presencial pelo país em cédula de papel é considerada inviável e insegura, os postulantes acabaram aceitando o uso do app, mesmo sabendo que haverá riscos.

A Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs), desenvolvedora do app, e a empresa de auditoria Kryptus, especialista em segurança cibernética, continuarão trabalhando para resolver fragilidades da ferramenta até o dia 21.

Além disso, as campanhas acertaram que terão seus próprios especialistas em TI monitorando e fiscalizando em conjunto, desde quinta-feira (18), o uso e a votação pelo aplicativo. Consultores contratados pelo PSDB, da USP e do Porto Digital do Recife, também participarão.

A ideia é tentar identificar eventuais tentativas de invasão e dar mais tranquilidade ao processo. Para dirigentes tucanos que acompanham o processo, haverá algum risco na votação pelo app, mas há segurança suficiente para realizar a votação no dia 21.

"Para garantir a segurança, a votação por aplicativo ocorrerá com dupla validação: identificação facial e verificação por código enviado por SMS para o celular cadastrado pelo filiado. Todo o processo de eleição, tanto presencial quanto pelo aplicativo, será fortemente monitorado pelo partido, pelas campanhas e por auditorias externas. A transparência e a segurança da votação estarão garantidas", afirma a sigla em nota.

Caciques do PSDB consideram que reclamações a respeito de data, de método, de vulnerabilidade e de regras terminaram pactuadas nesta terça e veem o clima mais apaziguado.

Doria e Leite vinham subindo o tom em debates e, na segunda, o gaúcho chamou de fake news a acusação do paulista de que sua campanha pedira adiamento da votação —o que ficou comprovado por áudios da reunião.

Nesta terça, Doria encerrou sua campanha em Porto Alegre. Também num gesto de conciliação, Leite e Doria estiveram juntos na sede do governo gaúcho.

"De amigo para amigo, como disse o governador Eduardo Leite, podemos estar disputando, mas somos do mesmo partido, estaremos juntos a partir do dia 22, mais juntos do que nunca. [...] A boa política se faz com civilidade e respeito, ainda que com diferenças", disse Doria no encontro.

Leite afirmou ficar feliz em receber Doria e disse que São Paulo é um exemplo de administração pelo PSDB. "Vamos ajudar a mudar o Brasil", completou.

Ainda assim, no cenário de disputa apertada e de resultado em aberto entre Doria e Leite, o aplicativo ainda é visto por parte dos tucanos como um dos principais motivos para posterior questionamento do resultado e judicialização do proceso.

A contestação da votação também pode servir de brecha para que o perdedor decida deixar o PSDB, numa hipótese mais traumática. A união do partido após as prévias é um desafio.

O PSDB já havia definido que governadores e vices, prefeitos e vices, senadores, deputados federais e estaduais, além de ex-presidentes do partido (que representam 62,5% dos votos das prévias), poderiam votar em urna eletrônica durante evento em Brasília. Os que não quisessem se deslocar poderiam votar pelo app, assim como farão filiados sem mandato e vereadores (que somam 37,5%).

A campanha de Doria argumentava que, para minimizar o uso do app, aqueles que podem votar em Brasília deveriam ser obrigados a fazê-lo. Já a campanha de Leite defende o uso irrestrito do aplicativo e não vê necessidade do voto em urna para uma parte.

A regra inicial foi mantida, mas com um detalhe: os mandatários que não forem até Brasília deverão avisar, até sexta-feira (19), que votarão pelo aplicativo. O partido bancou passagens e hospedagens a todos os que preferem votar presencialmente. ​

Um ataque ao aplicativo, na noite de segunda, tentou apagar 43 perfis de tucanos cadastrados na ferramenta. A invasão foi identificada pela Faurgs.

O fato se somou aos últimos acontecimentos no processo das prévias que, com brigas entre as campanhas e vulnerabilidades do aplicativo expostas, trouxeram prejuízos à imagem do PSDB. Tucanos dizem acreditar que os ataques hackers visam descredibilizar as prévias.

A campanha de Leite também saiu fustigada. A sugestão de adiamento foi considerada um erro político de aliados do gaúcho. Doria e seu entorno tem dito que Leite buscou adiar o pleito ao perceber que está em desvantagem. Recaiu sobre o gaúcho a acusação de querer inviabilizar as prévias.

"Defender adiamento é melar as prévias do PSDB", resume o tesoureiro da sigla, César Gontijo, aliado de Doria.

Ele lembra os valores gastos com o evento em Brasília, além de passagens e hospedagem. "Não tem sentido adiar, seria uma irresponsabilidade com recurso público, seria uma desmoralização para o partido", completou.

Diante do recuo, com Leite negando querer qualquer adiamento, a questão da data foi considerada superada.

Nos bastidores, aliados de Leite afirmam que, de fato, na reunião de segunda, se falou em adiar, mas nunca como uma sugestão. A ideia seria elencar outras alternativas após a constatação de que o aplicativo não estaria pronto e não ceder à proposta da campanha de Doria de separar os que podem votar pelo app ou pela urna e forçar o voto presencial.

"O que foi falado nessa discussão que houve ontem é que é melhor garantir pelo aplicativo a votação de maior número de pessoas, mesmo que, eventualmente, fosse necessário um adiamento, do que fazer uma votação no dia 21 com um número menor de participantes", afirmou Leite à Jovem Pan.

Os paulistas apontam há semanas os problemas do aplicativo e são receosos de seu uso. Aliados de Doria chegaram a cogitar o uso de urnas com cédulas de papel pelo país.

Auxiliares do governador paulista afirmam que não haveria grande prejuízo em votos de filiados que não pudessem ir a um local de votação, já que, na verdade, apenas cinco estados concentram 80% dos cadastrados para votar.

A campanha de Leite, que tem menor poder de mobilização para o voto presencial e cujos apoiadores estão mais espalhados pelo país, prefere o aplicativo.

O app seria a ferramenta para democratizar a votação, com possibilidade de participação em todo o país. A votação em locais físicos exige uma coordenação logística que o diretório paulista do PSDB tem, mas outros não, o que poderia dar vantagem a Doria.

Mas, na reunião desta segunda, houve uma inversão de papeis. Aliados de Leite concordaram que o aplicativo é passível de fraude e que seria preciso mais tempo para consertá-lo.

Os representantes de Doria, por sua vez, apesar de também desconfiarem do aplicativo, discordaram. Admitiram o uso da ferramenta atual ao menos entre filiados, sem adiamento.

A campanha de Leite considera inaceitável tal divisão, em que o alto clero tucano estaria livre de fraudes votando na urna, mas os militantes não. No entorno do gaúcho, a leitura é que se São Paulo dá o aval para o uso do aplicativo, esse aval deve valer para todos.

Até a semana passada, Leite e Virgílio já haviam concordado com o uso do aplicativo. Portanto, a responsabilidade de aceitar e viabilizar as prévias era uma pressão que pesava sobre os paulistas.

Eram os apoiadores do gaúcho que viam na celeuma do aplicativo uma tentativa de aliados de Doria de conturbar o processo diante do temor de uma derrota —até a reviravolta desta segunda.

Coordenadores da campanha do paulista argumentam que a própria Kryptus relatou possibilidade de fraude em massa e judicialização da votação.

Para a campanha de Doria, a anuência ao app dependia do novo relatório da Kryptus desta semana. O parecer aponta que algumas falhas foram, de fato, corrigidas, mas outras inseguranças permanecem.

"Algumas vulnerabilidades do mecanismo que antes poderiam permitir fraude massiva de votos ainda persistem, porém foi implementado autenticação multi-fator via SMS, o que mitigou o caminho de ataque massivo anteriormente encontrado", diz o parecer.

No fim de semana, circulou um vídeo em que um vereador tucano conseguia burlar o aplicativo, que tem reconhecimento facial, e cadastrar uma pessoa sem o consentimento dela. O partido afirma que levará o caso ao Ministério Público.

A ideia é identificar, por meio de foto e de IP, todos aqueles que tentarem algum tipo de fraude e buscar responsabilização criminal. O cadastro dos filiados com mandato é checado um a um, mas isso não é feito para a massa de filiados.

Outro problema atingiu ambas as campanhas e provocou reclamação de Doria e Leite ao PSDB nacional: o sumiço de 36 vereadores que, depois de cadastrados, desapareceram da lista de inscritos. O partido afirma que o caso não se deve a ataques, mas que a própria sigla removeu os perfis por falta de dados e comprovação. Os votantes já foram reabilitados.