SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A animação "Hair Love" emocionou o público com a história de uma menina que tenta arrumar seu black power para uma ocasião especial. Em pouco mais de seis minutos, o curta ganhador do Oscar de 2020 mostra a valorização do cabelo natural de pessoas negras.

Um apreço que nem sempre se vê na vida real --uma escola de ensino fundamental na Geórgia, nos EUA, por exemplo, pendurou em 2019 cartazes de penteados que não seriam apropriados, entre os quais tranças e blacks. Para combater esse tipo de preconceito, o movimento Crown Coalition defende uma lei que proíbe a discriminação racial a cabelos naturais em espaços de trabalho e escolas públicas no país.

A coalizão começou em 2018, quando a multinacional de cosméticos Dove se uniu ao Joy Collective, negócio social de marketing fundado por Kelly Lawson, para elaborar uma abordagem que visasse encerrar essa discriminação.

A agência de Lawson reuniu um grupo de mulheres negras (ela, Esi Bracey, vice-presidente executiva da Dove, Adjoa Asamoah, fundadora da ABA Consulting, e Orlena Blanchard, diretora da Joy Collective) e outros especialistas, que escreveram o que acabou se tornando o Crown Act.

O nome da proposta, "coroa", em português, é também um acrônimo para Create a Respectful and Open Workplace for Natural Hair (crie um ambiente de trabalho de respeito e aberto para o cabelo natural).

"Por gerações, pessoas negras nos EUA foram sujeitas a preconceito e discriminação relacionadas ao seu cabelo", explica Lawson por email à Folha. "Adultos tiveram oportunidades de emprego negadas, e crianças negras sofreram bullying, foram ridicularizadas e alvo de represálias."

A coalizão conta hoje com mais de 85 organizações comunitárias e empresas.

A primeira legislação do tipo foi aprovada em julho de 2019, na Califórnia. O objetivo principal é proibir que empregadores e escolas imponham políticas alegadamente neutras na questão racial, mas que impactam desproporcionalmente pessoas negras.

A medida foi apresentada pela senadora estadual Holly Mitchell, hoje supervisora do condado de Los Angeles. "É uma questão fundamental de dignidade", disse ela quando a norma foi aprovada, segundo o jornal The New York Times. "Há algo profundamente ofensivo quando é dito que seu cabelo, em seu estado natural, não é aceitável no trabalho."

Cada vez mais mulheres têm aderido à transição capilar, tanto brancas quanto negras, mas estas acabam sendo discriminadas. Segundo a pesquisa Dove Crown, de 2019, nos EUA as negras têm 1,5 vez mais risco de serem dispensadas do trabalho em razão do cabelo.

O estudo também apontou que o cabelo natural delas tem maior probabilidade de ser visto como antiprofissional. A pesquisa ouviu 2.000 mulheres americanas, das quais mil eram brancas e mil eram negras, com idades de 25 a 64 anos.

Desde a legislação da Califórnia, outros 13 estados e mais 34 municípios já aprovaram o Crown Act ou leis similares. Em Nova Jersey, o projeto que atualizou a lei contra discriminação foi sancionado um ano após um jovem no ensino médio ser obrigado a cortar seus dreadlocks ou desistir de um torneio escolar de luta.

No estado, uma primeira violação pode acarretar em multa de até US$ 10 mil (R$ 55,5 mil, na cotação mais recente), e três reincidências em sete anos significam penalização de até US$ 50 mil (R$ 276,8 mil).

As cofundadoras da coalizão entendem que a simples existência da legislação não vai mudar a discriminação das pessoas, mas "[a lei] significa que você fornece um recurso legal [contra o preconceito]", argumentou Orlena Blanchard à revista americana Ebony.

Mas enquanto o movimento avança em cinco estados que analisam a implementação do Crown Act, outros 24 já a rejeitaram. Para Lawson, parte da resistência está atrelada ao fato de muitas pessoas não acreditarem que o cabelo pode ser uma questão que precise de uma proteção legal.

"Há ainda uma grande necessidade de educar o público geral sobre o impacto socioeconômico de discriminação racial relacionada ao cabelo, para que mais pessoas apoiem a necessidade de uma legislação para acabar com essa forma de racismo sistêmico", diz.

Em âmbito federal, a lei foi aprovada em setembro de 2020 na Câmara e encaminhada ao Senado. Como desde então houve uma mudança de legislatura, o projeto foi reintroduzido em março deste ano.

"Minha esperança é que se torne uma lei federal", disse Mitchell à Ebony. "A estratégia por estado ajuda o Congresso a entender que ele precisa acompanhar o programa --ou ser deixado para trás."