Procuradoria abre inquérito civil para investigar suspeita de propina em vacinas na gestão Bolsonaro
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 23 de julho de 2021
MARCELO ROCHA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Procuradoria da República no Distrito Federal abriu inquérito civil sobre o suposto pedido de propina por parte de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, caso revelado pelo jornal Folha de S.Paulo.
O inquérito tem como objetivo apurar possíveis atos de improbidade administrativa praticados pelo então diretor e outros agentes públicos e privados, segundo portaria publicada nesta sexta-feira (23).
Procurada pela reportagem, a defesa de Roberto Dias disse que o procedimento será uma oportunidade para seu cliente e demais pessoas mencionadas esclarecerem os fatos.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o policial Luiz Paulo Dominghetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, disse que recebeu de Dias pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde. Dias foi demitido do ministério horas após a publicação da entrevista.
Na CPI, Dominghetti repetiu as acusações e disse que esteve no ministério três vezes para tratar da proposta da venda. A Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com uma proposta feita de US$ 3,50 por cada (depois disso passou a US$ 15,50).
Após a publicação da entrevista com a denúncia de propina, o líder da minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ), o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), e demais líderes de partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro enviaram uma representação ao Ministério Público Federal.
O caso foi enviado inicialmente à procuradora Melina Montoya Flores, que instaurou o procedimento, mas está a cargo do 28º Ofício da Procuradoria, cujo titular é Cláudio Drewes. A apuração tramita sob sigilo.
Foi aberta uma apuração inicial, conhecida como notícia de fato, que consiste no levantamento de informações iniciais sobre o ocorrido.
As questões versadas nos autos ainda demandam diligências para a formação do convencimento deste órgão acerca das medidas a serem eventualmente adotadas, afirmou a Procuradoria.
Em depoimento à CPI, Dias confirmou o jantar no dia 25 de fevereiro com Dominghetti, mas negou ter cobrado propina de US$ 1 por dose para negociar vacinas ao governo federal.
O diretor exonerado disse aos senadores que não tratava da compra dos imunizantes, apesar de reconhecer que conversou por mensagens de celular e por email com representantes da Davati Medical Supply.
O ex-diretor afirmou à CPI que se encontrou por acaso com o policial no restaurante Vasto, em um shopping na região central de Brasília (DF). Não era um jantar com fornecedor, era um jantar com um amigo, disse.
Dias ainda jogou sobre a Secretaria-Executiva da Saúde, área dominada por militares durante a gestão de Eduardo Pazuello, responsabilidades por definir preços, volumes e as empresas contratadas nas negociações por vacinas.
Em mensagem por áudio veiculada durante a sessão da CPI, obtida do celular de Dominghetti, que foi apreendido, o PM afirmou a um interlocutor que teria uma reunião com Dias no dia 25 de fevereiro, o dia do jantar no restaurante de Brasília.
Em meio a contradições e lacunas no depoimento, Dias foi levado preso pela Polícia do Senado após ordem do presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM). Ele foi liberado no mesmo dia, após o pagamento de fiança no valor de R$ 1,1 mil.
A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando a Folha de S.Paulo revelou em 18 de junho o teor do depoimento sigiloso do servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin.
Desde então, o caso virou prioridade da CPI. A comissão suspeita do contrato para a aquisição do imunizante por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que a vacina ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e por prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).
Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).
A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor da Saúde, relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades.
Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação. A CPI, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. O Ministério da Saúde suspendeu o contrato.
Ainda sobre esse caso, a Polícia Federal instaurou inquérito para investigar suspeita de prevaricação de Bolsonaro na negociação do governo para a compra da Covaxin.
A apuração tem origem nas afirmações do deputado Luis Miranda. A prevaricação é um tipo criminal em que o agente público deixa de agir ou retarda a ação para satisfazer interesses pessoais. No caso do presidente, a apuração vai buscar saber se ele foi de fato informado e se tomou medidas.
A investigação foi solicitada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) após a ministra do STF Rosa Weber cobrar manifestação do órgão sobre a notícia-crime apresentada ao Supremo por três senadores.