SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando esquentou o debate em Brasília em torno da adoção de medidas emergenciais para mitigar o impacto da guerra na Ucrânia sobre o petróleo, as companhias aéreas resolveram se posicionar para não ficar de fora, segundo Jerome Cadier, presidente da Latam no Brasil.

"No começo dessa discussão, a gente percebeu que o querosene de aviação estava ficando meio fora do debate. É diesel, é gasolina. A gente quis lembrar que também está sofrendo impacto. E isso foi parcialmente reconhecido", diz o executivo.

A preocupação das empresas aéreas na hora de encher o tanque é semelhante à dos caminhoneiros, embora o setor não faça o mesmo barulho. Em vez de ameaça de greve, na aviação, o resultado aparece no preço da passagem.

"O impacto é claramente parecido, na medida em que estamos falando de combustível, de repasse no preço, impacto na tarifa, queda de demanda", diz Cadier.

Nesta sexta (11), o executivo manifestou alívio com a aprovação pelo Congresso, na quinta (10), do projeto de lei que zera alíquotas de PIS/Cofins no combustível neste ano.

"Isso nos ajuda, sem dúvida, suaviza o impacto. Embora seja pequeno, mas suaviza. E tinha o outro, que era um pleito nosso, principalmente da Latam, mas esse não foi atendido, que era unificar as alíquotas do ICMS", afirma Cadier.

A alíquota única deverá ser aplicada sobre gasolina, diesel, etanol e gás de cozinha. Inicialmente, também valeria para o QAV (querosene de aviação), mas os deputados excluíram a possibilidade.

A medida para o ICMS não era consenso no setor aéreo. No modelo da Azul, que voa para aeroportos pequenos na aviação regional, é melhor manter o sistema de cobrança atual, que permite à empresa redução de alíquotas para elevar a pulverização da malha no país.

A guerra reverteu os bons ventos que vinham soprando no setor nas últimas semanas. No exato dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia, a Latam se preparava para dar uma notícia positiva no mercado de aviação internacional, a reabertura dos voos da empresa para Boston e Roma.

O movimento, que sinalizava um reforço na retomada depois do baque sofrido na pandemia, foi interrompido pela guerra, que trouxe a disparada no preço do combustível.

Poucos dias depois, Jerome Cadier, presidente da companhia aérea no Brasil, foi a público avisar que a passagem ia ficar mais cara.

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PERGUNTA - O que vai acontecer com os voos para Boston e Roma que iam começar a voar a partir de julho?

JEROME CADIER - Não temos 100% de certeza. Vamos manter, mas talvez não na mesma data. Estamos estudando postergar o início desses voos. O que acontece é que você revê os planos. Não elimina rota e destino. A gente continua querendo e vai voar, mas com esse combustível, talvez precise esperar um pouco mais uma retomada mais forte. O internacional vinha se recuperando de forma lenta. A gente sempre falava que era 2024. A gente já começa a colocar um pouco mais de cautela nessa recuperação ainda lenta do internacional.

P. - Alguns dias depois daquela boa notícia de mais voos internacionais, o sr. foi também o mensageiro da má notícia, que veio a público anunciar uma constatação que atinge todo o setor: a alta do QAV (querosene de aviação), por causa da guerra, elevaria o preço das passagens. Qual é a dimensão disso?

JC - Em uma conta básica: a Latam não só no Brasil, a Latam completa, consome em combustível o equivalente a 25 milhões de barris de petróleo em um ano. A gente viu flutuações, essa semana, para cima e para baixo, de US$ 30 ou US$ 40. Só essa brincadeira impacta o custo da companhia em US$ 1 bilhão. Estamos falando de magnitude de aumento de preços significativas.

O câmbio nos ajudou um pouco aqui no Brasil, porque bateu R$ 5,70 ou R$ 5,60. Ele está mais perto do R$ 5,10. Isso foi uma ajuda, no fundo, de 10%. Mas a magnitude do aumento do petróleo é tão grande, que faz com que a gente esteja falando de aumentos da ordem de 25% a 30% por baixo na tarifa. A gente já vem aumentando. Em janeiro e fevereiro já foram vários aumentos. E eu acho que vai continuar assim em março e abril.

P. - E qual é o impacto no mercado de voos domésticos?

JC - Estávamos mais otimistas com o doméstico do que o internacional. A Latam já tinha planejado, nesse primeiro trimestre, voar mais do que no mesmo período de 2019. Vamos voar igual ou um pouco menor. Já ajustamos, por causa da ômicron, em janeiro, e em março, já por causa do petróleo. No segundo trimestre, a gente devia estar com 5% ou 8% acima de 2019. Vamos estar levemente abaixo ou em linha com 2019. Esse já é mais ou menos o ajuste que vemos em função do aumento de preço que afeta a demanda, e aí, você ajusta a oferta em função disso.

P. - A guerra mexe com a demanda por viagens internacionais para a Europa? Já dá para sentir cancelamento ou redução de demanda para lá?

JC - Incrivelmente, a demanda para a Europa está melhor do que a demanda para os Estados Unidos. E aí, talvez, tenha alguma coisa a ver com o dólar, na medida em que as compras ficam caras nos EUA, porque muito do motivo para viajar para os EUA tem relação com compras. Está menos atrativo para o brasileiro comprar lá, então, a gente vê o mercado para a Europa comparativamente melhor e não vê nenhum impacto, por enquanto, da guerra.

A gente é muito pouco exposto do ponto de vista de destinos, porque voamos até Frankfurt e não para lá de Frankfurt. No fim das contas, a Europa do oeste não sentiu ainda.

P. - A Abear (associação que reúne Gol e Latam) tem defendido que as medidas emergenciais que venham a ser adotadas para conter a pressão nos preços também contemplem o querosene de aviação. A demanda do setor aéreo é parecida com a dos caminhoneiros. Como vocês dialogam com o governo para se colocar nessa demanda do combustível?

JC - O impacto é claramente parecido, na medida em que estamos falando de combustível, de repasse no preço, impacto na tarifa, queda de demanda. Durante o começo dessa discussão, a gente percebeu que o querosene de aviação estava ficando meio fora do debate. É diesel, é gasolina. A gente só quis lembrar que também está sofrendo impacto. Isso foi parcialmente reconhecido.

Ontem, no Congresso, foi votado o tema do PIS/Cofins até o fim desse ano. Isso nos ajuda, sem dúvida, suaviza o impacto. Embora seja pequeno, mas suaviza. E outro pleito, que era um pleito nosso, principalmente da Latam, mas esse não foi atendido, que era unificar as alíquotas do ICMS. Isso foi aprovado para gasolina e para o diesel mas não foi aprovado para o querosene de aviação.

A Latam é a favor de unificar a alíquota. Hoje o Brasil é extremamente ineficiente porque alguns estados operam com alíquotas muito diferentes de outros. Com isso, você faz tankering, que é transportar combustível, porque é mais barato em algum estado. Você gasta combustível para carregar combustível porque existe alíquota diferente de ICMS de um estado para o outro.

Mas a gente tem que ser incluído porque o impacto é muito parecido [com o dos caminhoneiros], mas eu não tenho, sinceramente, uma recomendação do que o governo tem de fazer. O impacto, hoje, é muito difícil de ser medido. Quanto tempo ele vai durar? Qual é tamanho da conta? Talvez não tenha como subsidiar. Agora, tem que reconhecer que o preço aumentou tanto ultimamente, que a arrecadação dos estados realmente aumentou muito. Acho que a proposta que se votou ontem é uma proposta coerente de que parte do impacto positivo que os estados viram com o aumento seja utilizado para suavizar o impacto no consumidor final.

P. - Não tinha sido resolvido ou amenizado esse problema de o setor ter de fazer tankering, que era aquela necessidade de abastecer em estados onde a alíquota é mais baixa para tentar cortar custos, sendo que poderia abastecer em outro destino? Isso não foi mitigado em 2019, quando o governo Doria reduziu a alíquota do QAV em São Paulo?

JC - São Paulo é um grande hub. É óbvio que, quando o grande hub cobrava um ICMS mais caro, você buscava nos outros estados uma condição para ser mais eficiente fazendo tankering. Então, São Paulo indo para 12% ou 13%, que é a alíquota hoje, diminuiu o impacto disso, mas tem alguns estados que estão com 2% ou 5%.

Continua sendo relevante de um estado para o outro. Em alguns estados eu pago 25%. Em outros, a Azul paga 2%. Então, apesar de SP ter reduzido a alíquota, o tankering é sim um fenômeno.

A gente está sempre fazendo conta. Quanto vale a pena eu carregar de combustível aqui. Fazer tankering é gastar combustível para transportar combustível.

P. - Esse baque da guerra sobre os custos tem algum reflexo no processo da recuperação judicial Latam nos Estados Unidos, o chamado chapter 11?

JC - Eu acho que é cedo para dizer se impacta o chapter 11 porque não tem nenhuma negociação acontecendo agora. A gente está esperando uma decisão do juiz e espera que seja rápido o pronunciamento dele nas próximas uma ou duas semanas, para que ele libere para votação. As condições da saída, ou seja, a condições financeiras e todas as condições já foram discutidas e negociadas. É cedo para falar. Se essa guerra durar mais seis meses, aí a gente não sabe o que vai acontecer. Mas o mercado está muito volátil.

Em algum momento teve falta de avião. Em outro momento, no começo da pandemia, sobrava avião. Então, você podia aumentar a sua frota porque tinha muito no mercado. No meio do ano passado, começou a faltar avião. E, por incrível que pareça, nas últimas duas semanas começou a aparecer avião de novo.

O fato de as companhias russas não terem mais acesso a Boeing, Airbus, a peças, ou seja, o isolamento da Rússia, fez com que sobrasse avião agora novamente. O mercado mudou de novo no espaço de uma semana. Isso traz uma dinâmica diferente por que você começa a pensar: será que existe espaço para crescer?

A gente está com muita eficiência de custo na saída do chapter 11 porque a gente fez muita redução de custo, muita lição de casa. Então, a grande pergunta aqui é: imediatamente, é uma redução de oferta, que é o que a gente está fazendo agora, mas será que não é uma oportunidade para a Latam? Porque a Latam está mais em forma do que os seus concorrentes neste momento.

Isso tem sido uma discussão interessante que a gente tem tido aqui.

A primeira resposta é: aumenta o preço e reduz oferta. Isso todo mundo está fazendo. Mas e no médio prazo? Essa dinâmica do combustível mais alto, de sobrar avião no mercado, será que não abre possibilidades para a Latam ali na frente? Essa é uma boa conversa interna aqui para nós.

P. - E a relação de vocês com a Azul, aquelas conversas de hipótese de Azul comprar Latam acabaram?

JC - Desde maio do ano passado, essa conversa é uma conversa da Azul com o mercado de capitais, os analistas, e com a mídia. A gente não tem nenhuma conversa com a Azul. Não temos interesse em ter. Deixamos isso super claro e não mudou. E nos últimos dois ou três meses a própria mídia parou de perguntar porque percebeu que era uma coisa que não ia acontecer.

O tempo vai provando que a nossa posição era a correta desde o início. A gente sempre foi comercialmente muito agressivo e eles e a Gol, também. Esse mercado tem muita agressividade na conquista de espaço, aeroporto, mercado, isso sempre continuou.

Agora vai continuar ainda mais. Com a demanda que vai sofrer o impacto do aumento de preços, tem menos passageiro. Ou seja, o crescimento se reduz, e a agressividade é maior ainda.