SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Prefeitura de São Paulo ainda não conseguiu diagnosticar o prejuízo causado no aprendizado dos alunos da rede municipal pelo fechamento das escolas durante a pandemia de Covid.

Uma auditoria feita pelo TCM-SP (Tribunal de Contas do Município de São Paulo) constatou que o município ainda não fez nenhuma ação eficiente que permitisse entender o tamanho do problema e ajudasse a planejar uma maneira de recuperar o tempo perdido.

Uma avaliação em larga escala chegou a ser aplicada no fim do ano passado com esse objetivo, mas segundo o órgão, ela não produziu resultados suficientes para ajudar na tarefa.

"Sabemos que os estudantes tiveram perdas durante esse período, mas elas ainda não foram sequer identificadas. O prejuízo é grande, mas ele ainda está oculto. Como se pretende mitigar essas perdas, sem saber quais são? É preciso uma ação mais célere da prefeitura", diz o conselheiro Maurício Faria, relator de educação do TCM.

Desde fevereiro, as escolas da rede municipal retomaram as aulas presenciais. No entanto, até agora, elas só funcionam em esquema de rodízio, com exceção das creches que voltaram a atender todos os alunos.

A Prefeitura de São Paulo decidiu colocar fim no rodízio de alunos em suas escolas a partir de segunda (25). A decisão aconteceu após o governador João Doria (PSDB) retirar a regra de distanciamento de 1 m dentro dos espaços escolares.

Ao contrário do governo estadual, que estabeleceu a volta presencial obrigatória dos estudantes desde a última segunda (18), a rede municipal ainda deixará os pais escolherem sobre o retorno dos filhos.

No fim do ano passado, mais de 9 meses após o fechamento das escolas, a SME (Secretaria Municipal de Educação) anunciou que aplicaria uma prova para todos os alunos do 4º ao 9º ano do ensino fundamental das escolas municipais para identificar como tinha sido o aprendizado naquele ano. O resultado desse teste deveria, então, ajudar na formulação de ações para 2021.

O objetivo inicial da pasta era comparar o desempenho entre os estudantes que fizeram a prova em 2020 e no ano anterior, quando não houve suspensão das aulas presenciais.

No entanto, dados apresentados ao TCM mostram que apenas 42,9% dos 291.315 estudantes dessas séries de fato fizeram a prova. O percentual de participação foi ainda menor em algumas regiões da cidade, como é o caso das escolas das diretorias de ensino da Freguesia/Brasilândia e Pirituba/Jaraguá, ambas na zona norte da capital.

Com a baixa participação, a própria secretária informou ao tribunal que não conseguiu fazer a comparação entre os anos. "A participação dos estudantes foi muito aquém do previsto [...] este foi fato importante na contribuição às dificuldades encontradas no processamento estatístico", informou o Núcleo Técnico de Avaliação da pasta ao TCM.

A realização da prova não era obrigatória e foi feita de forma online. A secretaria disponibilizou os computadores das escolas para que os alunos pudessem fazer o teste. Ainda assim, Faria avalia que a estratégia da pasta pode ter deixado de fora exatamente os estudantes que tiveram menos oportunidades de aprendizado ao longo do ano.

"Aquele aluno que teve mais dificuldade de estudar por não ter internet, celular ou ambiente propício em casa, provavelmente não foi fazer a prova. Então, não temos uma amostra real da rede nessa avaliação", diz.

A secretaria informou ao tribunal as médias de acerto dos alunos nas provas, que ficaram próximas de 60% entre os alunos do 5º ao 9º ano. Foram avaliados os desempenhos em cinco áreas do conhecimento: ciências da natureza, geografia, história, língua portuguesa e matemática.

Apesar dos dados não darem um retrato sobre a realidade da rede municipal, a orientação da secretaria aos diretores de escola foi para que eles usassem os resultados para ajudar no planejamento das ações pedagógicas de 2021, em especial para os alunos que participarem de projetos de recuperação.

Os dados obtidos pelo TCM mostram também que a ação de recuperação feita no início deste ano teve adesão muito baixa, bastante inferior ao planejamento inicial da secretaria. Dos mais de 400 mil alunos do 1º ao 9º ano, apenas 10.979 se inscreveram para receber o apoio, mas de fato compareceram, em média, 1.407 por dia.

"A avaliação diagnóstica não trouxe o resultado que se esperava, a recuperação também não. Nossa preocupação é em saber quais outros instrumentos e ações a prefeitura vai lançar mão para não deixar os estudantes na inércia dessa tragédia educacional", diz Faria.

O conselheiro destaca ainda que a prefeitura precisa de mecanismos que identifiquem o nível socioeconômico dos estudantes e eventuais problemas que enfrentaram durante a pandemia.

"É preciso que haja uma investigação nas escolas, agora que as aulas retornaram presencialmente, para identificar quantos e quais alunos vivenciaram o luto, perda de renda, maus tratos, fome. Só assim será possível ter ações eficientes."

Minéa Fratelli, secretária-adjunta da SME, diz que uma nova avaliação diagnóstica, com a possibilidade de comparação dos resultados com anos anteriores, será feita no fim de 2021. Segundo ela, outra prova foi aplicada em agosto para orientar os professores sobre o desempenho individual de cada estudante.

"A política para esse ano foi baseada naquilo que a gente já conhecia de dificuldades da nossa rede em anos anteriores. As dificuldades não são novas", diz Fratelli ao ser questionada sobre a falta de um diagnóstico geral da rede.

Ela também afirmou que a secretaria acredita em um processo de recuperação contínua dos estudantes ao longo dos próximos anos nos horários e aulas regulares das escolas. O projeto de reforço no contraturno já teve início neste segundo semestre, mas o número de alunos atendidos nessas aulas não foi ampliado em relação a antes da pandemia.

"Nossa aposta é de que não é a recuperação que vai dar conta desses prejuízos, mas é no horário regular que o aluno vai aprender o que não aprendeu durante a pandemia", diz Fratelli.

A decisão de não ampliar o tempo de aula das crianças e investir em ações de recuperação vai na contramão do que fizeram outros países e da recomendação de especialistas da área. A indicação, depois do longo período de interrupção das aulas, é de que as crianças possam passar mais tempo na escola não só para aprender conteúdos das disciplinas, mas também para desenvolver habilidades socioemocionais.

Um estudo feito por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em escolas municipais do Rio estimou que crianças de quatro e cinco anos podem ter perdido até seis meses de aprendizado com a suspensão das aulas. Outro estudo, feito pelo Insper, calculou que o desempenho dos alunos pode ter regredido em até um ano escolar nos casos em que não houve acompanhamento do ensino remoto.