'Precisamos de empreendedores obcecados por resolver problemas', afirma Lara Lemann
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quarta-feira, 09 de junho de 2021
FILIPE OLIVEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Empreendedores e empreendedoras vão liderar o avanço da economia e da sociedade brasileira nas próximas décadas, afirma a investidora Lara Lemann, 28.
Filha de Jorge Paulo Lemann, sócio da 3G Capital e homem mais rico do Brasil, segundo a revista Forbes, Lara comanda ao lado da sócia, Monica Saggioro, 34, a gestora Maya Capital, que captou US$ 41 milhões para investimentos em startups e desde 2018 aplicou recursos em 27 companhias.
A investidora afirma buscar empreendedores que funcionem como ímãs de talento para contratar pessoas melhores do que eles próprios na hora de escolher em que startup colocar recurso.
Outro atributo é ser obcecado por resolver uma dor do mercado ou da sociedade: "Há uma diferença óbvia entre os empreendedores que vêm para nós explicando uma solução, um negócio, e os que vêm falar sobre o problema, a dor real que pessoas, em muitos casos eles mesmos, já sentiram".
Lemann diz que uma gestora de fundos liderada por duas sócias em um mercado predominantemente masculino tem vantagens em relação às demais, por acessar e compreender uma variedade maior de iniciativas criadas por mulheres.
Por outro lado, a ausência de muitos exemplos de mulheres de sucesso nesse mercado ainda faz com que poucas vejam o empreendedorismo ou o investimento em startups como uma opção de carreira, avalia Lemann.
Segundo Saggioro, além da atenção ao tema de gênero, a Maya busca ampliar a diversidade com um olhar que busca mais empreendedores negros, pessoas que estão fora do Rio e de São Paulo e que venham de diferentes contextos sociais.
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Pergunta - Por que decidiram se dedicar ao mercado de startups?
Lara Lemann - Muita transformação ainda precisa acontecer na economia e em nosso país. E a principal transformação que vamos ver, escalável e sustentável a longo prazo, virá de inovação.
Acreditamos que essa inovação está sendo totalmente impulsionada e escalada por empreendedores e empreendedoras. Queremos ser os enablers [viabilizadores] dela, fornecendo o primeiro cheque para essas startups.
Vimos que havia muito talento, ideias, oportunidades, mas não tinha capital, em especial aquele que, além do dinheiro, agregava valor colocando a mão na massa com os empreendedores.
O investimento em startup cresce no Brasil em ritmo acelerado. Por que é mais difícil de ele chegar para quem está nos estágios mais iniciais?
Monica Saggioro - Quando se olha o mapeamento do setor, se vê a quantidade de startups por fundo de venture capital [capital de risco, que investem em startups], você percebe que são 2 fundos por startup nos EUA e 80 por startup na América Latina.
Além de termos muito mais empresas aqui em relação ao número de fundos, se você pega os poucos fundos que estão na região, vê que a maioria investe em series [rodadas de investimento] para empresa mais avançadas.
Acho que, por ser um ecossistema ainda menos maduro, os fundos queriam ver mais tração, ver mais validações antes de fazer uma aposta. Agora, com o ecossistema muito mais alinhado, há mais conforto para investidores atuarem nos diversos estágios.
O investimento em estágio inicial dá mais trabalho?
MS - É diferente. Queremos ter acesso aos melhores times. Temos que estar por dentro de tudo o que está rolando.
Temos iniciativas como o Matching Program, para ajudar fundadores a conhecer possíveis sócios; temos competição de pitchs [apresentações curtas de ideias de negócios], voltado para universidades; temos o Female Force (para apoiar mulheres). Uma série de iniciativas para estarmos por dentro de tudo.
Há um volume maior de deal flow [fluxo de oportunidades de negócios] que temos, na comparação com um fundo que talvez olhe menos oportunidades e as olhe com mais profundidade.
Para fundos em estágios superiores, há maior atenção na tração da empresa, no que ela já alcançou realmente.
Em nosso estágio, a aposta fica sendo muito pautada no time. Falamos com empresas com tração muito pequena, quase inexistente. Em alguns casos, é uma ideia na cabeça. Você precisa confiar bastante em quem está por trás da empresa. Um time muito bom em mercado grande pode mudar a trajetória [se for preciso] e alguma coisa saí de lá.
Como selecionar as melhores com tantas ideias surgindo ao mesmo tempo?
LL - A análise é bem pautada em pessoas. As principais coisas para as quais olhamos são o time, o tamanho de mercado e o produto. Estamos procurando pessoas obcecadas por um problema. Precisamos investir em pessoas alinhadas a longo prazo que, conforme o negócio evolui, o problema segue o mesmo e ela segue alinhada.
Precisamos também de pessoas que são ímãs de talento. No final do dia, o fundador é tão bom quanto a qualidade dos talentos que ele atrai para o time dele. Precisamos garantir que os empreendedores e as empreendedoras em que a gente investe conseguem atrair, mobilizar e incentivar pessoas melhores do que eles. E precisamos de pessoas com garra. Empreender não é fácil.
Também consideramos o tamanho do mercado em que o empreendedor está e se o produto é dez vezes melhor do que qualquer alternativa disponível e se ele faz sentido dado o contexto do time.
A falta de profissionais no Brasil, que preocupa startups, se tornou um gargalo?
MS - Sim e não. Vemos de forma inversa. Os principais talentos estão vindo para tecnologia com muita velocidade. Toda semana temos ligação de amigos, pessoas com quem já trabalhamos, que estudaram com a gente, querendo entrar em tecnologia. Ter mais casos de sucesso só deve melhorar isso ao longo do tempo.
O que atrai esses talentos?
MS - Está todo o mundo percebendo que as empresas de tecnologia estão ganhando relevância. Todos querem fazer parte dessa história de sucesso.
E acreditamos muito que tecnologia é o grande catalisador de mudança. Como exemplo, a pandemia mostrou que empresas que tinham tecnologia em seus negócios reagem mais rapidamente.
E, cada vez mais, temos casos de sucesso. Stone e XP fazendo IPO, Nubank ganhando uma relevância absurda. Essas histórias mostram que é possível de fazer.
Que tipo de ambição esperam dos empreendedores?
LL - A gente fala muito que investimos nos melhores times resolvendo os maiores problemas da América Latina. Gostamos de falar de problema, porque por trás de grandes problemas estão as grandes oportunidades.
A obsessão é bem nesse problema. Há uma diferença óbvia entre os empreendedores que vêm para nós explicando uma solução, um negócio, e os que vêm falar sobre o problema, a dor real que pessoas, em muitos casos eles mesmos, já sentiram e que vão solucionar usando tecnologia.
Como é ter um fundo liderado por mulheres em um mercado masculino? O tema é importante para vocês?
MS - Falar de diversidade, não só no aspecto de gênero, é sempre importante e deveria ser assim para todos os investidores. Além de gênero, vemos que temos de falar de diversidade em outros aspectos. Queremos olhar negócios de outras geografias além de Rio e São Paulo, tratar da questão de raça, cultura, outros de contextos socioeconômicos, queremos trazer diversidade em todo nosso funil de negócios.
Não fazemos filtro para investirmos mais em mulheres. Talvez por termos interesse no tema, por sermos mulheres, entendermos melhor alguns modelos de negócios que correlacionam mais com nosso gênero, 40% das empresas investidas têm uma cofundadora mulher [cerca de 10% de todas as startups possuem uma mulher na liderança].
Instituímos na Maya um processo de avaliação superneutro. Um estudo de Harvard mostra que investidores fazem perguntas diferentes para homens e mulheres. Fizemos isso para evitar qualquer viés inconsciente nosso. E tentamos mover o ecossistema para isso. Temos o Female Force, uma iniciativa de mentoria para mulheres. Às vezes são tão poucas empreendedoras que ter um ponto em que elas podem se encontrar, se inspirar, faz toda a diferença.
Consideram o mercado machista?
LL - Não diria que é propositalmente machista, já passamos dessa época. Mas ainda temos poucos exemplos de mulheres empreendedoras, e isso impede que jovens mulheres vejam o empreendedorismo ou o caminho do investimento como uma opção de carreira.
A gente sempre fala que nós, sendo mulheres, temos um ativo. Isso nos diferencia, dá acesso a um deal flow que fundos geridos só por homens não têm. Vemos muitas mulheres, falamos com todas e investimos em muitas.
As grandes empresas se aproximaram das startups e estão adquirindo empresas de tecnologia com mais frequência. Como vêm esse cenário?
MS - A gente está bem otimista. É a primeira vez que vemos talento, capital e capacidade de saída [oportunidade para investidores venderem participações nas empresas escolhidas] bem alinhados.
O mercado para fusões e aquisições está aquecido e, além disso, estão ocorrendo mais aberturas de capital.
Estamos começando a ver a primeira geração de fundadores que estão em seu segundo negócio, o que eleva muito a qualidade do ecossistema. Todo ano o Brasil e a América Latina batem recorde de captações de recursos, o que é ótimo, encoraja muita gente a iniciar seus negócios.
Que desafios há no Brasil para as startups?
MS - Talvez falte uma maior perspectiva de investidores internacionais. Por isso, é bom estarmos tendo mais capital local neste momento.
Há um risco de depender de capital estrangeiro, pois, em qualquer momento de volatilidade do nosso mercado, os investidores podem se assustar e sair. Esse não conhecimento de América Latina com certeza é uma barreira. E é uma questão de tempo para isso mudar também.
Startups têm algo a ensinar para empresas maiores?
LL - Elas têm conseguido desenvolver uma cultura bem diferente por terem de ser mais ágeis, flexíveis, lidar com times menores, com crescimento em maior velocidade. São completamente diferentes de grandes empresas.
Mas, em muitos casos, isso é momento. Conforme elas evoluem, a cultura evolui e amadurece em conjunto. Talvez nunca chegue no ponto mais rígido de uma grande empresa, sempre haverá mentalidade mais flexível. Mas é muito pelo momento.
E o que elas precisam aprender com as grandes?"
MS - São dois momentos. Do 0 para o 1 [início da trajetória], a agilidade, e elas têm o desafio de focar. Depois, do 1 ao bilhão, precisam criar mais processo, ter uma máquina de vendas que funciona bem, sair daquela mentalidade de apagar incêndio e trabalhar com mais estrutura.
É algo que tentamos fazer bastante. São três pontos de ajuda que oferecemos. Um deles é o "billion dolar intro" [apresentação bilionária a um potencial parceiro de negócios], ajuda com levantamento de capital e discussões mais estratégicas e táticas do negócio.
Qual o interesse de Jorge Paulo Lemann pelas startups?
LL - Ele é um dos 11 advisors. Como todos nós, ele tem bastante curiosidade pelo mercado e interesse em ver o Brasil se transformando e melhorando. E acreditamos que inovação vai ser o que realmente vai potencializar essa transformação.
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Conheça algumas das startups apoiadas pela Maya
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Startup de plano de saúde com aplicativo e equipe própria de médicos, enfermeiros, nutricionistas e preparadores físicos
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Startup que oferece a empresa software que auxiliam na publicação de vagas, recrutamento profissional a partir de inteligência artificial
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Especializada em investir em marcas de bens de consumo criadas na internet para ampliar sua participação em marketplaces (shoppings virtuais)
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Companhia chilena especializada no desenvolvimento de alimentos feitos a partir de plantas, incluindo versões de carne, leite e sorvete
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