PP, PT e Eduardo Bolsonaro decidem ir ao Conselho de Ética contra Kim
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quarta-feira, 09 de fevereiro de 2022
RICARDO DELLA COLETTA, MATHEUS TEIXEIRA E RENATO MACHADO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Diferentes grupos políticos na Câmara dos Deputados decidiram representar no Conselho de Ética contra o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) por ele ter afirmado, no Flow Podcast, que nazismo não deveria ser considerado crime no Brasil.
O PP, a bancada do PT e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) anunciaram que moveriam ação contra Kim.
O PP, partido do centrão, é hoje um dos principais pilares de sustentação do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, ao lado do PL. Eduardo Bolsonaro, por sua vez, é filho do presidente da República.
O Conselho de Ética é o órgão na Câmara que analisa casos de quebra de decoro parlamentar. Na representação do PP, a legenda pede que seja declarada a perda do mandato de Kim.
Na peça, assinada pelo deputado André Fufuca (MA), o PP alega que Kim fez apologia do nazismo em sua fala.
"As declarações do representado deputado Kim Kataguiri claramente vão contra os princípios básicos previstos na Constituição Federal, e denotam uma apologia ao nazismo a partir do momento em que concorda com as falas do apresentador Monark defendendo a legalidade de um partido nazista no Brasil e se declara ser contra a criminalização do nazismo na Alemanha", afirma a representação.
"A liberdade de expressão do representado no caso em questão ultrapassou seus limites no momento em que defende a ideia descriminalizar o nazismo, incitando violência e discriminação!"
Já Eduardo Bolsonaro disse no Twitter que pediu abertura de processo disciplinar contra Kim.
"Neste momento protocolando ofício para a Mesa Diretora da Câmara os Deputados, para que o presidente Arthur Lira [PP-AL] abra processo no Conselho de Ética contra as declarações em defesa do nazismo feitas pelo deputado Kim Kataguiri."
O líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), também anunciou que o partido apresentará representação.
"O deputado Kim Kataguiri cometeu um crime, pois, se ele é contra a criminalização do nazismo, ele é a favor da liberação. É uma tese simples. A legislação brasileira trata o nazismo como crime", disse, no Twitter.
A ação da bancada petista na Câmara foi endossada pelo senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos.
"É inaceitável que alguém eleito pelo voto defenda o nazismo, um regime que matou mais de seis milhões de judeus. Quem jura defender a Constituição não pode ultrajar, exaltando sistemas genocidas, valores que para ela são sagrados, como a dignidade humana e o direito à vida", declarou o senador, que destacou que a representação pedirá a cassação do mandato de Kim.
O presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado Paulo Azi (DEM-BA), afirma que dará andamento ao caso com base nas regras internas do Legislativo. Ele diz, porém, que não viu apologia ao nazismo na declaração de Kim.
"Pelo que eu li, ele próprio já fez os devidos esclarecimentos. Mas se tiver representação vamos dar o tratamento que o regimento da Casa coloca, o regimento que decide os passos e não cabe ao presidente definir monocraticamente se ela tem substância para seguir ou não", diz.
Ele também defende o colega. "Falo como parlamentar e não como presidente do conselho: me parece que ficou claro que não teve intenção de fazer qualquer gesto ou qualquer movimento em defesa das práticas do nazismo e até em relação à criação de partido que represente essa ideologia extremista".
Kim participou do podcast ao lado do podcaster Monark (Bruno Aiub) e da deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
Na segunda-feira (7), Monark defendeu o direito de existência de um partido nazista. O comentário lhe rendeu amplas críticas e ele acabou desligado do podcast.
"A esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical, na minha opinião. As duas tinham que ter espaço, na minha opinião ", disse Monark. "Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei."
Tabata Amaral rebateu o podcaster. Kim foi questionado por Tabata se achava errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo. O deputado respondeu que sim.
"Por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que [seja o assunto que] o sujeito defenda, isso não deve ser crime. Por quê? Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória, é você dando luz àquela ideia para que aquela ideia seja rechaçada socialmente, e então socialmente rejeitada", afirmou o deputado no debate.
Na terça (8), o parlamentar afirmou à coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, que o apresentador "falou uma grandessíssima bobagem, mas não é nazista".
O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou a instauração de procedimento para apurar prática de eventual crime de apologia ao nazismo por Kim e por Monark.
O teor das declarações será analisado pela assessoria criminal de Aras em função de o caso envolver parlamentar com prerrogativa de foro no STF (Supremo Tribunal Federal).
Em São Paulo, o Ministério Público decidiu instaurar um inquérito civil sobre o caso para investigar as condutas de Monark e do Flow Podcast.
Segundo a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, "houve expressa defesa da criação de um partido nazista, como se este partido fosse decorrência do direito à liberdade de expressão. Não é".
Ainda de acordo com o Ministério Público paulista, a criação de um partido nazista representa, em síntese, "a criação de um partido político feito para perseguir e exterminar pessoas, notadamente judeus, mas também pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e outras minorias".
Nesta quarta-feira (9), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), criticou as recentes manifestações em defesa do nazismo, argumentando que não se trata de liberdade de expressão e sim de crime.
A fala do senador mineiro aconteceu no momento em que convidava os senadores no plenário para uma solenidade em homenagem às vítimas do Holocausto, que será realizado na quinta-feira (10). Pacheco disse que é "lamentável" que pessoas ainda defendam o direito de disseminar ideias ligadas ao nazismo.
"Trata-se de solenidade muito oportuna diante de acontecimentos recentes, em que algumas manifestações antissemitas tomaram a pauta dos noticiários e redes sociais em nosso país. É lamentável que, em pleno século 21, ainda existam pessoas a defender que se tolere a disseminação de ideias que admitam a existência de regimes que pregam o genocídio de grupos populacionais, por quaisquer motivos", afirmou.
O presidente do Senado defendeu a liberdade de expressão, mas não quando se tratar de ideias que atentem contra princípios básicos da convivência harmoniosa entre as pessoas e que sejam caracterizadas como preconceitos, xenofobia e ódio.
"Devemos estar sempre atentos para que fatos como os acontecidos recentemente não voltem a se repetir. Quem legitima o nazismo afronta a memória das vítimas e dos sobreviventes desse regime e desdenha das atrocidades por ele causadas. Defender o nazismo não é uma justa manifestação da liberdade de expressão. Defender o nazismo é crime", completou.

