RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu um homem apontado como suspeito de ser um dos chefes do tráfico de drogas da comunidade do Castelar, em Belford Roxo (região metropolitana do Rio), onde três meninos desapareceram em dezembro de 2020 após saírem para jogar futebol.

Victor Hugo dos Santos Goulart, conhecido como "Vitinho" ou "VT", é acusado de mandar torturar em janeiro um morador falsamente apontado como responsável pelo sumiço. Ele teria ordenado que traficantes e usuários de drogas levassem a vítima até a delegacia para que ela confessasse.

A participação desse vizinho, porém, depois foi descartada pela polícia. Segundo a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), os criminosos então fomentaram um protesto na comunidade e determinaram que um ônibus fosse incendiado.

Goulart foi capturado em Cabo Frio, na Região dos Lagos, onde se escondia, em cumprimento a dois mandados de prisão pendentes pelos crimes de tortura e associação ao tráfico de drogas. Agora, ele deve ser ouvido para prestar esclarecimentos sobre a morte das crianças.

De acordo com os agentes, o suspeito era gerente do tráfico local e atuava com Wiler Castro da Silva, o Estala, que teria chefiado a espécie de tribunal do crime que determinou o assassinato dos meninos após eles terem supostamente roubado passarinhos dos traficantes.

Ainda segundo a delegacia, os dois gerentes atuavam sob as ordens dos "donos" da região, Edgard Alves de Andrade, o Doca, e Wilton Carlos Rebelo Quintanilha, o Abelha --solto no fim de julho em um esquema envolvendo o então secretário de Administração Penitenciária, Raphael Montenegro.

A punição aos garotos no tribunal do crime, porém, teria sido definida sem que as lideranças soubessem que os autores do furto eram crianças menores de 12 anos.

Após o desaparecimento, que despertou a atenção da mídia e da polícia, Estala foi chamado ao Complexo da Penha (na zona norte carioca) e morto com autorização da cúpula do Comando Vermelho de dentro de um presídio, dizem os investigadores.

Quase 11 meses depois do desaparecimento, o inquérito ainda não foi concluído. Lucas Matheus da Silva, 9, seu primo Alexandre da Silva, 11, e o amigo deles Fernando Henrique Soares, 12, saíram de casa em 27 de dezembro para brincar em um campo de futebol próximo de casa e nunca mais voltaram.

Em setembro, o secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, afirmou em entrevistas que o tráfico do Castelar foi o responsável pelo assassinato dos meninos e que o motivo foi o roubo dos passarinhos. Também disse que os corpos foram jogados em um rio, mas até agora eles não foram encontrados.

No dia seguinte às declarações, a Defensoria Pública do estado, que acompanha as mães das vítimas, disse que considerava o caso ainda em aberto, porque as provas apresentadas até o momento não eram suficientes para corroborar essa versão oficial.

"A Defensoria Pública recebe com cautela as informações veiculadas ontem sobre o inquérito", disse em vídeo a defensora Gislaine Kepe. "Enquanto não houver consistência nos indícios colhidos pela polícia, enquanto não houver a identificação de culpados, sejam eles por assassinato ou por desaparecimento, a Defensoria e as famílias não entendem que esse caso chegou ao fim."

As mães dos meninos têm mostrado descrédito em relação à hipótese da polícia, suspeitam da milícia que atua na região e afirmam que seus filhos não roubariam passarinhos. Também criticam a lentidão na resolução do caso e alegam que a polícia demorou a agir no início.

Questionado pela TV Globo sobre as provas obtidas pela polícia, o secretário respondeu na época que no "crime de mando você busca provas que nunca vão ser um contrato". Segundo ele, a conclusão se baseou em provas indiciárias (ou seja, indícios que apontam para determinada direção).

Essas provas incluem testemunhas importantes que deram detalhes sobre o que ocorreu naquele dia e a notícia da morte do principal envolvido. Turnowski disse que o inquérito seria finalizado e o delegado responsável apresentaria detalhes técnicos, o que não ocorreu até o momento.

A região da Baixada Fluminense tem um problema crônico de desaparecimentos, com cerca de 15 registros diários, segundo Bruno Dauaire, secretário estadual de Direitos Humanos. A taxa foi de 32 casos a cada 100 mil habitantes na região em 2020, contra 28 no estado todo.

Para se ter uma ideia, o Rio de Janeiro registrou quase tantos sumiços (3.350) quanto homicídios dolosos (3.544) no ano passado, de acordo com dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).