RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Ao menos oito pessoas foram encontradas mortas por moradores em uma região de manguezal no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, na manhã desta segunda-feira (22). Segundo relatos, eles apresentam sinais de tortura.

A Polícia Militar diz ter entrado em confronto com suspeitos em uma área próxima, no domingo (21). Em nota, a Polícia Militar afirmou que instaurou um inquérito para investigar as circunstâncias da operação.

A Polícia Civil informou que identificou sete das oito vítimas. Segundo a corporação, duas delas não tinham passagens pela polícia. Os nomes não foram divulgados.

Ainda de acordo com a polícia, um dos mortos que não possui anotações criminais também estava com roupa camuflada semelhante à do restante do grupo.

O clima na comunidade é de tensão desde sábado (20), quando o policial militar Leandro da Silva foi morto a tiros durante um patrulhamento. No domingo, o Bope (Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio) realizou uma operação na comunidade após receber informações de que uma das pessoas que atacaram o agente estaria ferida na região.

Durante a ação, uma idosa foi baleada e encaminhada para o hospital estadual Alberto Torres, em São Gonçalo. Segundo o Instituto Fogo Cruzado, neste ano, 25 idosos já foram baleados na região metropolitana no Rio e 9 deles morreram.

A polícia diz ainda que, durante a operação, os agentes foram atacados em uma área de mangue, na qual ocorreu troca de tiros com suspeitos. Os policiais apreenderam munições de fuzil, cinco carregadores e uniformes camuflados. Os corpos foram encontrados perto da área em que houve o suposto confronto. "‹

Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Rio, Nadine Borges diz que os moradores relatam que os corpos apresentam sinais de tortura e que a ação se trata de uma chacina. Segundo ela, foram achados 11 corpos, nove estão no IML (Instituto Médico Legal). A Polícia Civil não confirmou esse número até a conclusão desta edição.

"O que nós sabemos dos moradores é que há muita tensão e muito medo. Ao que tudo indica, foi uma represália à morte do policial no sábado. É um caso muito grave", diz ela, acrescentando que os corpos foram retirados de dentro de um mangue da comunidade.

"O nosso medo é que, depois dessas chacinas, a repressão aumente nas comunidades. O poder público precisa sair da omissão perene e acabar com o que a gente chama de operação vingança." Borges diz que, pelos relatos dos moradores, dez corpos já foram encontrados.

Em seu perfil no Twitter, a FAFERJ (Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro) diz que já seriam 14 pessoas mortas, três delas meninas. "A prática da Polícia Militar no Complexo do Salgueiro em São Gonçalo foi a mesma dos traficantes que mataram o sargento. Executaram 14 pessoas, inclusive três meninas. Alguns, sem passagem. Isso é uma operação bem sucedida? Existe constituição nas favelas do Rio", questionaram, marcando o perfil do STF (Supremo Tribunal Federal).

A Rede de Observatórios da Segurança já registrou neste ano 27 chacinas policiais no Rio, somando 128 mortes.

Em junho do ano passado, o ministro Edson Fachin, do STF, proibiu operações em favelas do Rio de Janeiro enquanto durasse a pandemia --em agosto, a maioria da corte manteve a decisão. Em situações excepcionais, caso a polícia precise fazer operações, é necessário avisar ao Ministério Público com antecedência.

Segundo o Ministério Público do Rio, a polícia avisou que faria a operação no Complexo do Salgueiro. Em nota, porém, a Defensoria Pública afirmou que a corporação descumpriu a decisão do STF. Isso porque moradores relataram que a ação teve início no sábado pela manhã, logo após a morte do sargento, diferentemente do que disse a Polícia Militar em nota. A comunicação ao Ministério Público só foi feita à tarde. "Segundo a liminar, a operação precisa ser justificada imediatamente ao MP", diz o texto.

Em 2017, o Salgueiro foi cenário de outra operação violenta. À época, uma ação da Polícia Civil, com participação das Forças Armadas, deixou oito mortos em um baile funk, durante a madrugada de um sábado. O episódio ocorreu um dia após um PM ser morto na região.

A Defensoria Pública do Rio disse na ocasião que recebeu relatos sobre a ação no domingo e que comunicou o caso ao Ministério Público para a adoção de "medidas cabíveis a fim de interromper as violações".

Em nota, o Ministério Público do Rio afirmou que o caso estava sendo analisado pela 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada do Núcleo Niterói e São Gonçalo, que acompanha as diligências no local e tomará as medidas cabíveis. Ainda segundo a nota, a PM comunicou a operação ao MP-RJ.

Em maio deste ano, uma operação da Polícia Civil na favela do Jacarezinho, na zona norte, terminou com 28 pessoas mortas, sendo considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro.

Presos durante a ação relataram terem sofrido tortura. Já os boletins médicos dos mortos descrevem corpos com as vísceras para fora ou com "faces dilaceradas".

A polícia afirmou inicialmente que a investigação que motivou a incursão tratava de aliciamento de menores, homicídios, sequestros de trem e roubo. Em um relatório feito após a ação, porém, não constam esses crimes, mas o cumprimento de 21 mandados de prisão por associação ao tráfico de drogas.

Em outubro, o Ministério Público do Rio denunciou dois policiais civis por envolvimento em um homicídio durante a operação na favela do Jacarezinho. Trata-se da primeira denúncia oferecida pela força-tarefa montada pelo MP-RJ para investigar a ação.