CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - Alçado à condição de celebridade mundial após sobreviver a um desastre de avião e a 36 dias na selva, o piloto Antônio Araújo de Sena foi denunciado pelo MPF (Ministério Público Federal) por transportar carga perigosa em uma aeronave sem condições de voo a um garimpo ilegal localizado dentro de uma unidade de conservação, no norte do Pará.

Em depoimento à PF (Polícia Federal) anexado à denúncia, revelada pelo site Infoamazonia e confirmada pela Folha de S.Paulo, Sena admitiu que foi contratado por um dono de garimpo para transportar cerca de 600 litros de óleo diesel de Alenquer (PA) ao garimpo Califórnia, vizinho ao mais conhecido garimpo 13 de Maio, localizados dentro da Rebio (Reserva Biológica) Maicuru. Trata-se de uma categoria de unidade de conservação integral que não permite presença humana.

Com base em perícia da PF, o MPF afirma que o voo estava em desacordo com as normas da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) por ter como destino pista não homologada, por ter decolado com 135 kg de sobrecarga e ainda por apresentar sistema elétrico inoperante.

Se condenado, o piloto pode pegar de 4 a 12 anos de prisão.

Além de Sena, foram indiciados João Batista Ribeiro, o Tuchaua, que contratou o piloto, e Edivaldo Paiva Carvalho, dono da aeronave. Em paralelo, a PF está investigando também os donos do garimpo e se o avião, modelo Cessna 210, já havia sido utilizado para o narcotráfico.

No depoimento, Sena diz que nunca havia voado a garimpos antes, mas admite que trabalhou por cerca de cinco anos para a empresa Piquiatuba Táxi Aéreo.

O proprietário, Armando Amâncio da Silva, morto em 2020, era um dos maiores donos de garimpo da Amazônia. As suas operações também eram dentro da Rebio Maicuru. Em outubro de 2020, a PF apreendeu 44 kg de ouro no cofre da sua casa.

O acidente com Sena ocorreu no dia 28 de janeiro de 2021. Nas semanas seguintes, o piloto relata ter sobrevivido sozinho na floresta amazônica até encontrar uma família de castanheiros. A história rendeu centenas de entrevistas, aparições em programas de TV, como Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo.

No final do ano, o piloto publicou um livro que, segundo a sua assessoria de imprensa, será transformado em filme e terá uma versão traduzida para o francês.

Procurado pela reportagem, Sena não respondeu a perguntas específicas, incluindo a sua relação com o dono de garimpo Armando Amâncio. Em nota à imprensa, ele afirma que desconhece "a possível denúncia e, por consequência, as acusações que por ela recaiam sobre mim".

"Estou surpreendido com a possibilidade de vir a responder por eventual ação penal, pois não vislumbro, na minha conduta nesse episódio, qualquer cometimento de crime. Não vejo como antecipar defesa sobre acusação que desconheço. Seria uma imprudência, talvez, de minha parte, falar de probabilidades diante de exploração midiática", afirmou.

"Quero vida cada vez mais. E vida digna. Se pela efêmera, para mim, atividade garimpeira quase levou minha vida, a minha salvação veio justamente através dos extrativistas que encontrei na minha jornada de volta da escuridão, os quais provaram que é possível tirar recursos da floresta sem prejudicá-la", disse.

A reportagem não localizou as defesas dos denunciados Ribeiro e Carvalho.