BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), um colegiado que funciona no âmbito da PGR (Procuradoria-Geral da República), cobrou da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) uma explicação, em dez dias, sobre a iniciativa do ministério de disponibilizar o Disque 100 para denúncias de pessoas antivacinas.

Em ofício assinado na noite de segunda-feira (31), o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, considerou "digna de preocupação" a conduta do ministério de Damares no sentido de atacar o passaporte vacinal, condenar a obrigatoriedade da vacinação infantil contra a Covid-19 e disponibilizar o Disque 100 para antivacinas que aleguem "discriminação".

A iniciativa de cobrar uma explicação da ministra antecede uma decisão sobre pedir ou não a abertura de investigação relacionada à elaboração da nota técnica por secretários e diretor da pasta. O documento foi endossado por Damares.

O jornal Folha de S.Paulo revelou no último dia 27 que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos produziu uma nota técnica em que se opõe ao passaporte vacinal e à obrigatoriedade de vacinação de crianças.

No documento, a pasta coloca o Disque 100, o principal canal do governo para denúncias de violações dos direitos humanos, à disposição de pessoas antivacinas que passem por "discriminação".

O documento ficou pronto no dia 19. Damares endossou o documento e o encaminhou a ministérios, como da Economia e do Trabalho e Previdência, a partir do dia 21.

Ao colocar o Disque 100 à disposição de quem passa por "discriminação" por não estar vacinado, como afirmou o ministério, a pasta pode gerar desvirtuamento e sobrecarga do canal de denúncias, na visão de gestores do governo familiarizados com o serviço.

O Disque 100 é o principal instrumento do governo federal para recebimento de denúncias e encaminhamento para investigação dessas acusações de violência contra mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, pessoas que vivem nas ruas e população LGBTQIA+.

Depois da publicação da reportagem, as bancadas de PT e PSOL na Câmara e o partido Rede Sustentabilidade apresentaram ao MPF (Ministério Público Federal) e ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedidos de investigação sobre a iniciativa do ministério de Damares.

Uma representação de 40 deputados do PT foi protocolada na PFDC. O documento é capitaneado pelas deputadas Maria do Rosário (RS), ex-ministra dos Direitos Humanos, e Gleisi Hoffmann, presidente do partido. O senador Humberto Costa (PT-PE) também protocolou um documento semelhante na PFDC.

Com base no pedido feito pelo senador, Vilhena, que é subprocurador-geral, enviou ofício para que Damares se explique em dez dias.

"É digna de preocupação a conduta do ministério de, em documento oficial, considerar que a imposição de medida sanitária prevista em lei configure violação de direitos humanos, e, não bastasse isso, disponibilizar seu mais importante canal de denúncias para oitiva de 'denúncias' contrárias à obrigatoriedade de vacinação", afirmou o procurador federal.

Vilhena encaminhou, então, quatro perguntas a Damares, antes da "adoção de qualquer medida".

As perguntas são: a nota técnica representa a posição oficial do ministério? Que fundamento a pasta usou para considerar violação dos direitos humanos uma medida de saúde pública prevista em lei e referendada pelo STF?

E mais: o ministério adotou ou vai adotar ação concreta para colocar o Disque 100 para receber denúncias? A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que não está subordinada aos secretários que assinam a nota, será compelida a receber e processar denúncias de quem é contra a vacina?

Na nota técnica elaborada e distribuída a ministérios, a pasta de Damares concluiu que "medidas imperativas de vacinação como condição para acesso a direitos humanos e fundamentais podem ferir dispositivos constitucionais e diretrizes internacionais".

Além disso, na visão de integrantes da pasta, essas medidas podem contrariar princípios bioéticos, ferir a dignidade humana e "acabar por produzir discriminação e segregação social, inclusive em âmbito familiar".

"O ministério entende que a exigência de apresentação de certificado de vacina pode acarretar em violação de direitos humanos e fundamentais", cita o documento distribuído a ministérios.

"Para todo cidadão que por ventura se encontrar em situação de violação de direitos, por qualquer motivo, bem como por conta de atos normativos ou outras medidas de autoridades e gestores públicos, ou, ainda, por discriminação em estabelecimentos particulares, está disponível o canal de denúncias, que pode ser acessado por meio do Disque 100", diz a nota técnica.

O ministério prometeu encaminhar essas denúncias aos órgãos competentes, "a fim de que os direitos humanos de cada cidadão possam ser protegidos e defendidos".

Assinaram o documento Eduardo Miranda Freire, secretário nacional de Proteção Global substituto; Fernanda Ramos Monteiro, secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente substituta; Marcelo Couto Dias, secretário nacional da Família substituto; e Jailton Almeida do Nascimento, diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos.

Damares endossou o documento. "A nota técnica foi elaborada conjuntamente pelas secretarias nacionais de Proteção Global, da Família e dos Direitos da Criança e do Adolescente, com o objetivo de apresentar fundamentos técnicos, jurídicos e políticos no campo dos direitos humanos, que, na visão desta pasta, não justificam a obrigatoriedade ora proposta", afirmou a ministra.

Em nota à reportagem, o ministério afirmou que o Disque 100 é aberto a todos que se sentem violados em seus direitos fundamentais.

"O serviço não faz juízo de valor sobre as denúncias. Apenas recebe, faz a triagem e encaminha relatos de insatisfação aos órgãos competentes", disse.

A nota técnica foi elaborada pelo ministério porque a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu manifestações sobre violações de direitos, segundo a pasta.

"O ministério não é contra a vacinação contra Covid-19, porém manifesta-se, fundamentado em dispositivos legais, contrariamente à sua obrigatoriedade."